(continuando...)
Esta mamã, como qualquer mulher macua nascida e criada no mato, acredita apenas no destino e já percebeu que a hora do filho está perto. Não interfere. Só está ali porque a família já o deu como perdido e portanto foram ao hospital tentar ainda a sorte, mas sem grande convicção... Como sei que foi assim? Já não preciso de perguntar. Ninguém vai ao hospital sem passar antes de mais pelo curandeiro. Na cultura macua, a doença só pode resultar de um feitiço que alguém lançou à criança por inveja da família, ou então da zanga de um antepassado porque alguém quebrou um qualquer tabu - ou não guardou o devido respeito a uma tradição. Vírus? Micróbios? Uma pneumonia? Que sentido podem fazer à luz destes conceitos? Por mais que me esforce nunca lhe vou conseguir explicar que o que se passa com o seu menino é uma alteração na estrutura do coração... Só posso ir prometendo que vamos cuidar bem dele e ajudar a família no que pudermos...
Foi por não perceber os mecanismos de doença na cultura macua que demorei tempos infindos a perceber por que razão os pais respondiam sempre que os meninos não estavam melhores, a não ser que já estivessem completamente bem e prontos para ter alta.
- Mas ele parece melhor, papá...
- Não… ainda está doente.
- Mas ontem teve febre quantas vezes?
- Três vezes.
- E hoje?
- Hoje… ainda. [Ou seja, hoje ainda não teve febre.]
Os meninos estavam claramente melhores e os pais não percebiam isso… Não sei quanto tempo demorei para me dar conta de que eles genuinamente não reconheciam o estado dos filhos. Até lá imaginava apenas que os pais tinham tanto medo de que os filhos morressem que até tinham receio de dizer que estavam melhores. Eu pensava que era intuitivo, que qualquer pessoa conseguiria ver se outra estava melhor, quanto mais uma mãe: se já estavam mais corados, se já se alimentavam e brincavam um pouco, é óbvio que estavam melhores…
Mas bastava ter pensado um bocadinho. Eu é que não estava preparada para me afastar tanto do meu próprio conceito de doença. Se o menino foi vítima de um feitiço ou de um castigo dos antepassados, então só podem existir dois estados de saúde possíveis: ou se está bem, ou se está doente. Não faz sentido existir um meio-termo. [Daí a clássica resposta: “Não, não está melhor. Ainda está doente…”] Nem existe, aliás, qualquer expressão em macua que signifique "estar a melhorar". Existe a expressão "vakhani-vakhani", que quer dizer "pouco a pouco", mas não se refere a uma alteração no estado geral, quer apenas dizer que não se está muito bem nem muito mal.
O problema é que, tal como não reconheciam as melhoras, também não se davam conta de qualquer agravamento. Entendiam o agravamento como fazendo parte da evolução natural da doença. Nem sequer lhes ocorria avisar quem de direito ou pedir ajuda. “Somos todos impotentes na doença” diz um provérbio macua. Por isso é preciso estar sempre em cima do acontecimento ou as coisas acontecem nas nossas barbas!
(continua...)
segunda-feira, 30 de maio de 2011
domingo, 29 de maio de 2011
[o meu hospital na zambézia] ah, mwanaka!
(continuando...)
Aproximo-me da cama de uma criança com insuficiência cardíaca e noto que está pior. A dificuldade respiratória acentuou-se. A mãe, como sempre, não arreda pé do seu lado, mas está apenas a assistir a tudo, impotente.
Antes desconcertava-me o olhar vago e a passividade (ou impassividade, não sabia dizer) com que presenciavam a doença até ao desenlace final. Arrepiava-me que nunca pedissem ajuda, que nunca me avisassem de que a criança estava pior, que ficassem apenas a assistir a tudo sem sequer tentar interferir. De tal forma isto era sistemático que uma tarde, acabada de chegar de uma saída para o mato, entrei na enfermaria e perguntei em voz alta em macua para todas as mães: "Está tudo bem com os meninos?" Ninguém respondera. Descansada porque, pelo menos naquele momento, não parecia haver nenhuma emergência fui buscar os processos para começar a ver os meninos. Nem dois minutos depois ouvi um grito: "Ah, mwanaka!" Uma criança tinha acabado de morrer mesmo nas minhas costas...
Quase me enfureci nessa altura. Era de desesperar! Como era possível?! Eu tinha estado ali. Eu tinha-me oferecido para ajudar. Qualquer mãe teria pedido ajuda... Será que lhe era indiferente a morte de um filho? Mas não. Não era assim tão simples... Nunca ninguém disse que era simples ser médico em África... E nunca ninguém disse que era simples resolver os problemas de saúde que assolam todo o continente... Se fosse simples a situação talvez não fosse tão catastrófica.
Depois, olhei bem mais no fundo dos olhos das mães das crianças em agonia e, para lá da passividade, do olhar que parecia imperturbável, para lá do eterno sorriso, vi um desespero, uma amargura, um quase abandono. Claro que não podia ser indiferença!
Esta mamã do menino com insuficiência cardíaca eu já conheço... De manhã perguntei-lhe:
- Quantos filhos tem, mamã?
- Quatro...
- E quantos estão vivos?
- Este só...
Que coração tão maltratado... Os olhares escurecem de vez em quando, mas são quase sempre impenetráveis...
(continua...)
Aproximo-me da cama de uma criança com insuficiência cardíaca e noto que está pior. A dificuldade respiratória acentuou-se. A mãe, como sempre, não arreda pé do seu lado, mas está apenas a assistir a tudo, impotente.
Antes desconcertava-me o olhar vago e a passividade (ou impassividade, não sabia dizer) com que presenciavam a doença até ao desenlace final. Arrepiava-me que nunca pedissem ajuda, que nunca me avisassem de que a criança estava pior, que ficassem apenas a assistir a tudo sem sequer tentar interferir. De tal forma isto era sistemático que uma tarde, acabada de chegar de uma saída para o mato, entrei na enfermaria e perguntei em voz alta em macua para todas as mães: "Está tudo bem com os meninos?" Ninguém respondera. Descansada porque, pelo menos naquele momento, não parecia haver nenhuma emergência fui buscar os processos para começar a ver os meninos. Nem dois minutos depois ouvi um grito: "Ah, mwanaka!" Uma criança tinha acabado de morrer mesmo nas minhas costas...
Quase me enfureci nessa altura. Era de desesperar! Como era possível?! Eu tinha estado ali. Eu tinha-me oferecido para ajudar. Qualquer mãe teria pedido ajuda... Será que lhe era indiferente a morte de um filho? Mas não. Não era assim tão simples... Nunca ninguém disse que era simples ser médico em África... E nunca ninguém disse que era simples resolver os problemas de saúde que assolam todo o continente... Se fosse simples a situação talvez não fosse tão catastrófica.
Depois, olhei bem mais no fundo dos olhos das mães das crianças em agonia e, para lá da passividade, do olhar que parecia imperturbável, para lá do eterno sorriso, vi um desespero, uma amargura, um quase abandono. Claro que não podia ser indiferença!
Esta mamã do menino com insuficiência cardíaca eu já conheço... De manhã perguntei-lhe:
- Quantos filhos tem, mamã?
- Quatro...
- E quantos estão vivos?
- Este só...
Que coração tão maltratado... Os olhares escurecem de vez em quando, mas são quase sempre impenetráveis...
(continua...)
sexta-feira, 27 de maio de 2011
[welcome to mozambique] esqueceu de lembrar...
(continuando...)
- O Sr. prescreveu o antibiótico X ao menino que acabou de ser internado.
- Sim, Doutora.
- Mas tem esse antibiótico aqui?
[Sem pestanejar...] - Não, o antibiótico X... infelizmente não temos há mais de duas semanas.
- Ah, mas então porque prescreveu o antibiótico X se não existe?
- É o antibiótico indicado.
[Oh, valha-me Santa Rita de Cássia, que isto não pode estar a acontecer...] - Mas o antibiótico Y também serve para a mesma doença.
[Pensativo...] - O antibiótico Y temos!
[Mas será que não ligou mesmo nada ao que estava a fazer? Não podia estar preocupado com a criança quando a internou com uma doença grave para fazer um tratamento que sabia que não existia... Será falta de inteligência? Desprezo? Puro desinteresse?] - Sim, eu sei que temos o antibiótico Y. É por isso que o doente fulano e o doente sicrano na enfermaria estão medicados com ele e não com o medicamento X.
E não, já não me iludia. Já não acreditava que poderia valer a pena enfurecer-me por dentro mas manter uma calma aparente para levar o técnico a prescrever o medicamento certo. Da vez seguinte era necessário ir ver novamente que medicamento tinha sido prescrito e chamar-lhe a atenção outra vez. Sempre com a mesma cara. Sempre com o mesmo sorriso. Dez minutos depois, se fosse necessário.
- Esqueceu de lembrar...
- Ah, mas é melhor corrigir e prescrever o medicamento Y, porque o medicamento X não tem há mais de duas semanas...
De nada me valeria gritar ou zangar-me, não ia obter mais colaboração por isso. Pelo contrário. A resistência passiva é o apanágio de quase todo o povo. Passariam a dizer que "Sim, sim, hei-de fazer.", sem qualquer intenção de fazer o que quer que fosse. É preciso respirar fundo e ter calma. Não perder o optimismo. O meu objectivo é ganhar a guerra, não posso desorientar-me em pequenas batalhas... O que é preciso é que os meninos melhorem, é essa a única coisa importante. Se para isso for preciso ir quatro vezes por dia à cama de cada menino verificar se lhe foi dada a medicação, então irei quatro vezes por dia à cama de cada menino verificar se lhe foi dada a medicação. Se me zangar isso só vai funcionar da primeira vez. Para a próxima, na melhor das hipóteses, começam a evitar-me. E ainda assim, sabe Deus como me posso tornar incómoda...
(continua...)
- O Sr. prescreveu o antibiótico X ao menino que acabou de ser internado.
- Sim, Doutora.
- Mas tem esse antibiótico aqui?
[Sem pestanejar...] - Não, o antibiótico X... infelizmente não temos há mais de duas semanas.
- Ah, mas então porque prescreveu o antibiótico X se não existe?
- É o antibiótico indicado.
[Oh, valha-me Santa Rita de Cássia, que isto não pode estar a acontecer...] - Mas o antibiótico Y também serve para a mesma doença.
[Pensativo...] - O antibiótico Y temos!
[Mas será que não ligou mesmo nada ao que estava a fazer? Não podia estar preocupado com a criança quando a internou com uma doença grave para fazer um tratamento que sabia que não existia... Será falta de inteligência? Desprezo? Puro desinteresse?] - Sim, eu sei que temos o antibiótico Y. É por isso que o doente fulano e o doente sicrano na enfermaria estão medicados com ele e não com o medicamento X.
E não, já não me iludia. Já não acreditava que poderia valer a pena enfurecer-me por dentro mas manter uma calma aparente para levar o técnico a prescrever o medicamento certo. Da vez seguinte era necessário ir ver novamente que medicamento tinha sido prescrito e chamar-lhe a atenção outra vez. Sempre com a mesma cara. Sempre com o mesmo sorriso. Dez minutos depois, se fosse necessário.
- Esqueceu de lembrar...
- Ah, mas é melhor corrigir e prescrever o medicamento Y, porque o medicamento X não tem há mais de duas semanas...
De nada me valeria gritar ou zangar-me, não ia obter mais colaboração por isso. Pelo contrário. A resistência passiva é o apanágio de quase todo o povo. Passariam a dizer que "Sim, sim, hei-de fazer.", sem qualquer intenção de fazer o que quer que fosse. É preciso respirar fundo e ter calma. Não perder o optimismo. O meu objectivo é ganhar a guerra, não posso desorientar-me em pequenas batalhas... O que é preciso é que os meninos melhorem, é essa a única coisa importante. Se para isso for preciso ir quatro vezes por dia à cama de cada menino verificar se lhe foi dada a medicação, então irei quatro vezes por dia à cama de cada menino verificar se lhe foi dada a medicação. Se me zangar isso só vai funcionar da primeira vez. Para a próxima, na melhor das hipóteses, começam a evitar-me. E ainda assim, sabe Deus como me posso tornar incómoda...
(continua...)
[welcome to mozambique!] se tem cal... não tem balde...
Bem, é sempre a mesma coisa... Se tem cal, não tem balde. Se tem balde, não tem pincel. Se tem reagentes no laboratório, faltou a energia de Cahora Bassa. Se tem ambulância, não tem combustível. Se tem combustível, que finalmente chegou esta semana, o motorista ficou de baixa com malária. Se tem combustível e ambulância e o motorista já está bem de saúde, a ponte caiu e não vai ser possível chegar ao outro lado...
Custa viver com tanta lei de Murphy levada ao extremo de uma roleta russa. Mas o pior de tudo não são as leis de Murphy. As leis de Murphy são as leis que regem o universo e só temos de repetir para nós próprios que existe certamente uma saída e ela há-de vir a qualquer momento, o melhor é olhar para cima, respirar fundo e improvisar uma solução, que o universo e esse tal de Murphy, por muito que saibam de leis, nada podem contra uma loira determinada em passar um rio apesar do desabamento da ponte e transferir o doente para um hospital com bloco operatório.
O pior de tudo aqui no mato, meus amigos, é o sentimento de que, mesmo com os poucos recursos que têm à disposição, era tão fácil fazer cem vezes melhor no hospital... Bastava um pouco mais de interesse e um pouco menos de desleixo... Um pouco menos de desprezo por quem tem menos sorte. Bastava minimamente colocar-se na pele do outro. Ou ter brio por um trabalho bem feito...
É este o sentimento que mais custa ultrapassar. Tinha de repetir para mim própria mil vezes por dia: "São estas as pessoas que tenho, é com elas que tenho de conseguir trabalhar." E obrigava-me a sorrir e tratar com respeito as pessoas a quem só me apetecera apertar o pescoço momentos antes porque não tinham feito um gesto básico e simples e que essa falha quase custara a vida de uma criança se eu não tivesse ido atrás...
(continua...)
Custa viver com tanta lei de Murphy levada ao extremo de uma roleta russa. Mas o pior de tudo não são as leis de Murphy. As leis de Murphy são as leis que regem o universo e só temos de repetir para nós próprios que existe certamente uma saída e ela há-de vir a qualquer momento, o melhor é olhar para cima, respirar fundo e improvisar uma solução, que o universo e esse tal de Murphy, por muito que saibam de leis, nada podem contra uma loira determinada em passar um rio apesar do desabamento da ponte e transferir o doente para um hospital com bloco operatório.
O pior de tudo aqui no mato, meus amigos, é o sentimento de que, mesmo com os poucos recursos que têm à disposição, era tão fácil fazer cem vezes melhor no hospital... Bastava um pouco mais de interesse e um pouco menos de desleixo... Um pouco menos de desprezo por quem tem menos sorte. Bastava minimamente colocar-se na pele do outro. Ou ter brio por um trabalho bem feito...
É este o sentimento que mais custa ultrapassar. Tinha de repetir para mim própria mil vezes por dia: "São estas as pessoas que tenho, é com elas que tenho de conseguir trabalhar." E obrigava-me a sorrir e tratar com respeito as pessoas a quem só me apetecera apertar o pescoço momentos antes porque não tinham feito um gesto básico e simples e que essa falha quase custara a vida de uma criança se eu não tivesse ido atrás...
(continua...)
quarta-feira, 25 de maio de 2011
terça-feira, 24 de maio de 2011
[outras palavas] hoje não há-de ser possível...
Texto fantástico e incrivelmente realista do André da Tertúlia Africana, de que fica o link, com a devida vénia. Como gostaria de ter sido eu a escrever este texto, que dedico ao meu querido amigo que tem nome de filósofo (não, não é o Sócrates!), meu guru espiritual do "modo África", que me ensinou que a vida é simples e que em África nada é revoltante: é exótico! Para ele um abraço.
"Lembro-me que, quando ia com frequência levar o carro ao mecânico, a acção revelava-se penosa. Ainda eu não tinha acabado a frase de diagnóstico da avaria e já o mecânico abanava a cabeça a dizer não! Quando eu terminava, apressado pelo stress daquela reacção, a resposta vinha então de forma sonora: “pois, mas isso não há-de ser possível!”. Seguiam-se uma série de silêncios, ideias, contra-propostas e, no final, a avaria reparava-se sempre!! Seja como for, desisti de lá ir, como devem calcular…
Os Moçambicanos têm por hábito dizer que herdaram muitas coisas dos portugueses, mas na maioria das heranças apenas constam defeitos. Não nego que os portugueses têm muito de inércia, preguiça e hábito de reclamar mas os nossos irmãos Moçambicanos aprimoraram a técnica.
Há quem chame de “desporto nacional”… Eu diria mal nacional, não unânime, mas bastante abrangente. É que tantas vezes, mesmo antes de começarmos a frase, sentimos da pessoa uma rugosidade afectuosa (expressão que inventei agora mesmo, mas que espero que a entendam).
Sento-me num restaurante, o empregado aproxima-se, diz a cordial “boa noite” e fica a olhar para mim espantado, como se não estivesse à espera daquele meu gesto de me sentar numa das mesas e viesse incomodar a sua paz. “A ementa, por favor”, digo. Frase que lhe dá um flash de reacção e o faz lembrar-se de que está a trabalhar num restaurante. Volta à realidade, com um espasmo de surpresa (fingindo ser a primeira vez que se esquece da ementa) e lá vai enfim buscar o menu. "Mas que raio o homem vinha aqui fazer sem sequer trazer o menu?", penso eu.
Entro numa loja, onde está um macua a atender. Refiro-me especialmente aos macuas, porque são mestres na expressão facial minimalista. Digo bom dia, eles respondem com um ligeiro levantar de sobrancelha e um soluço de ar que no inicio até me afligia, mas que quer dizer, em linguagem macua: bom dia! Este soluço, um aspirar repentino de ar, é algo que só visto. A pessoa, de repente, tem uma pequena convulsão, parecendo que lhe falta o ar. É angustiante, pois pensamos que vai ter um enfarte ali mesmo. Ficamos boquiabertos, à espera dos próximos sintomas, mas já olha para nós impaciente à espera do pedido. Não sai nenhuma palavra da boca deles. Peço algo e o empregado responde um estranho e agressivo “HÃ?”, como se eu estivesse a pedir costeletas numa loja de ferragens! Não, simplesmente o empregado não estava para ser incomodado e tinha o sistema auditivo em stand-by. Até pode ter o que procuro, mas faz que não percebe. Até pode estar à vista e eu apontar, mas diz que aquilo é outra coisa…e continua a sua tarefa de hibernação.
O “Hoje não há-de ser possível.” é uma frase muito comum que sai da boca das pessoas que atendem. Mas a frase não sai com uma expressão de pena por não conseguirem servir o meu pedido. Sai com um desleixo de quem nem sequer parou para pensar se poderá de facto fazer ou não. Às vezes até acho que com um pouco de troça, aproveitando a relação cliente/provedor, em que o primeiro depende do segundo.
Segunda-feira é o inicio da semana, ainda não está pronto. Quinta-feira é véspera de sexta e amanhã vai ser difícil. Sexta-feira é sexta-feira e agora só na segunda-feira. Restam dois dias, terça e quarta, para servir, satisfazer e cumprir. Mas nesses dias o chefe ausentou, o sistema está em baixo ou, mortiferamente, como um punhal, “não há-de ser possível”!
A ginástica para nada fazer é de louvar, mas o resultado é desastroso, inútil. Se há alguma tarefa para fazer, só amanhã, porque hoje não há-de ser possível. Amanhã esqueceu a caneta e quando lhe empresto a minha azul, só escreve bem com a preta. A cadeira chia e assim não se concentra, troca com outra, mas é baixa, já não dá jeito. A luz está trémula e assim faz doer a vista. Troca-se a lâmpada?, está muito ocupado. Chama-se um técnico?, demora semanas. Falamos em pé para tentar dar seguimento à tarefa, mas toca o telefone e é inadiável. Desaparece 2 horas e quando volta acha que só se ausentou apenas por dois minutos…mas suficientes para apagar da memória o que estávamos a fazer. Explico de novo. Epá, mas isso agora só amanhã…hoje não há-de ser possível!(...)
"Lembro-me que, quando ia com frequência levar o carro ao mecânico, a acção revelava-se penosa. Ainda eu não tinha acabado a frase de diagnóstico da avaria e já o mecânico abanava a cabeça a dizer não! Quando eu terminava, apressado pelo stress daquela reacção, a resposta vinha então de forma sonora: “pois, mas isso não há-de ser possível!”. Seguiam-se uma série de silêncios, ideias, contra-propostas e, no final, a avaria reparava-se sempre!! Seja como for, desisti de lá ir, como devem calcular…
Os Moçambicanos têm por hábito dizer que herdaram muitas coisas dos portugueses, mas na maioria das heranças apenas constam defeitos. Não nego que os portugueses têm muito de inércia, preguiça e hábito de reclamar mas os nossos irmãos Moçambicanos aprimoraram a técnica.
Há quem chame de “desporto nacional”… Eu diria mal nacional, não unânime, mas bastante abrangente. É que tantas vezes, mesmo antes de começarmos a frase, sentimos da pessoa uma rugosidade afectuosa (expressão que inventei agora mesmo, mas que espero que a entendam).
Sento-me num restaurante, o empregado aproxima-se, diz a cordial “boa noite” e fica a olhar para mim espantado, como se não estivesse à espera daquele meu gesto de me sentar numa das mesas e viesse incomodar a sua paz. “A ementa, por favor”, digo. Frase que lhe dá um flash de reacção e o faz lembrar-se de que está a trabalhar num restaurante. Volta à realidade, com um espasmo de surpresa (fingindo ser a primeira vez que se esquece da ementa) e lá vai enfim buscar o menu. "Mas que raio o homem vinha aqui fazer sem sequer trazer o menu?", penso eu.
Entro numa loja, onde está um macua a atender. Refiro-me especialmente aos macuas, porque são mestres na expressão facial minimalista. Digo bom dia, eles respondem com um ligeiro levantar de sobrancelha e um soluço de ar que no inicio até me afligia, mas que quer dizer, em linguagem macua: bom dia! Este soluço, um aspirar repentino de ar, é algo que só visto. A pessoa, de repente, tem uma pequena convulsão, parecendo que lhe falta o ar. É angustiante, pois pensamos que vai ter um enfarte ali mesmo. Ficamos boquiabertos, à espera dos próximos sintomas, mas já olha para nós impaciente à espera do pedido. Não sai nenhuma palavra da boca deles. Peço algo e o empregado responde um estranho e agressivo “HÃ?”, como se eu estivesse a pedir costeletas numa loja de ferragens! Não, simplesmente o empregado não estava para ser incomodado e tinha o sistema auditivo em stand-by. Até pode ter o que procuro, mas faz que não percebe. Até pode estar à vista e eu apontar, mas diz que aquilo é outra coisa…e continua a sua tarefa de hibernação.
O “Hoje não há-de ser possível.” é uma frase muito comum que sai da boca das pessoas que atendem. Mas a frase não sai com uma expressão de pena por não conseguirem servir o meu pedido. Sai com um desleixo de quem nem sequer parou para pensar se poderá de facto fazer ou não. Às vezes até acho que com um pouco de troça, aproveitando a relação cliente/provedor, em que o primeiro depende do segundo.
Segunda-feira é o inicio da semana, ainda não está pronto. Quinta-feira é véspera de sexta e amanhã vai ser difícil. Sexta-feira é sexta-feira e agora só na segunda-feira. Restam dois dias, terça e quarta, para servir, satisfazer e cumprir. Mas nesses dias o chefe ausentou, o sistema está em baixo ou, mortiferamente, como um punhal, “não há-de ser possível”!
A ginástica para nada fazer é de louvar, mas o resultado é desastroso, inútil. Se há alguma tarefa para fazer, só amanhã, porque hoje não há-de ser possível. Amanhã esqueceu a caneta e quando lhe empresto a minha azul, só escreve bem com a preta. A cadeira chia e assim não se concentra, troca com outra, mas é baixa, já não dá jeito. A luz está trémula e assim faz doer a vista. Troca-se a lâmpada?, está muito ocupado. Chama-se um técnico?, demora semanas. Falamos em pé para tentar dar seguimento à tarefa, mas toca o telefone e é inadiável. Desaparece 2 horas e quando volta acha que só se ausentou apenas por dois minutos…mas suficientes para apagar da memória o que estávamos a fazer. Explico de novo. Epá, mas isso agora só amanhã…hoje não há-de ser possível!(...)
segunda-feira, 23 de maio de 2011
[introdução à escorpiologia] da teoria à prática
Meus queridos amigos, escrevo para encerrar o assunto dos sapos e dos escorpiões naquele que foi um dos greatest hits desta semana aqui no mato - sobre os encontros imediatos que podem suceder numa casa de banho na savana. Entre outras coisas é um post onde se aprende que os escorpiões não costumam andar aos pares (e não, não é uma metáfora nem uma referência velada aos nativos deste signo). É também um post onde se expõe a razão pela qual eu, mulher púdica e recatada, nunca seria capaz de beijar um sapo numa casa de banho, sobretudo se corresse o risco de ele se transformar em príncipe... Assim um bocado à mete-nojo histriónica, falo também de um encontro com uma centopeia e de outro com uma cobra cuspideira, mas depois acabo por não me descoser. E não adianta virem aqui numa de "ajoelhou tem que rezar" porque eu tenho uma reputação a manter.
Enfim, tudo isto para dizer dizer que nesse post, como em quase todos os outros aqui no mato, não se aprende muito. Já a Maria Bê, minha correspondente no Arizona, veio aqui para me demonstrar que, em matéria de escorpiologia, se uns jogam no estádio da aldeia, no "solteiros contra casados", outros há que lhe dão forte e feio na primeira divisão. Eu fiquei fascinada (para não dizer arrumada) com uma lição de caça ao escorpião com luz ultravioleta! E para quem quiser aprender mais tem ainda, nos posts mais antigos, uma introdução à escorpiologia e imagens da captura do Marvin, um escorpião que foi posterormente adoptado e vive agora como um príncipe em casa de um amigo (sem que para isso se tenha transformado em sapo - sim, eu sei que isto são circularidades de uma rapariga loira, mas também, assim como assim ninguém vem aqui para estudar lógica argumentativa, pois não?).
E pronto, da próxima vez que for para Moçambique já sei que mais levar na mala...
Enfim, tudo isto para dizer dizer que nesse post, como em quase todos os outros aqui no mato, não se aprende muito. Já a Maria Bê, minha correspondente no Arizona, veio aqui para me demonstrar que, em matéria de escorpiologia, se uns jogam no estádio da aldeia, no "solteiros contra casados", outros há que lhe dão forte e feio na primeira divisão. Eu fiquei fascinada (para não dizer arrumada) com uma lição de caça ao escorpião com luz ultravioleta! E para quem quiser aprender mais tem ainda, nos posts mais antigos, uma introdução à escorpiologia e imagens da captura do Marvin, um escorpião que foi posterormente adoptado e vive agora como um príncipe em casa de um amigo (sem que para isso se tenha transformado em sapo - sim, eu sei que isto são circularidades de uma rapariga loira, mas também, assim como assim ninguém vem aqui para estudar lógica argumentativa, pois não?).
E pronto, da próxima vez que for para Moçambique já sei que mais levar na mala...
domingo, 22 de maio de 2011
[outras palavras] uma improvável viagem de comboio
O Nampula-Cuamba Orient Express
(Iapala, Moçambique)
Texto do meu grande amigo Francisco Campos, sj. Viagem magistralmente captada em vídeo já postado mais abaixo. O link, para os leitores mais atarefados.
"Cheguei demasiado depressa. Foi um pulo demasiado rápido". Senti isso logo à chegada a Nampula, zona macua, no Norte de Moçambique. O meu destino era Cuamba, onde vim para dar um retiro aos Leigos para o Desenvolvimento que aqui trabalham e que me têm acolhido tão bem.
Nampula é muito diferente de Maputo. A cultura e a língua são outras, vêm-se muitos muçulmanos trajados com seus tradicionais hábitos e a própria maneira de estar é diferente. Por isso, assim que pude, fui dar uma volta a pé pelo bairro onde me achava alojado para poder estar e sentir, e finalmente poder "chegar" a esta terra onde já me encontrava.
No dia seguinte segui para Cuamba. A maneira mais fácil de fazer estes 350 km é de comboio. Uma viagem muito bonita e, como quase sempre em Moçambique, com os seus desafios tão específicos. Dura apenas 11 horas e em 3ª classe vai-se confortavelmente sentado em bancos de pau.
Às 3.30h da manhã o Pe. Leonel foi levar-me à estação e orientar-me na confusão aparentemente instalada. Há várias bichas consoante a quantidade de carga que se transporta, umas para mulheres e outras para homens. Guardas munidos de vistosos cacetetes ostensivamente abanados no ar vão gritando com as pessoas e mantendo a ordem relativa. Depois de uns minutos da despedida do Pe. Leonel vieram dizer-me que o "Padre foi assaltado e agredido com uma garrafa partida à saída da estação". Ainda lá fui ver o que se passava e se era preciso algum auxílio, mas já tinham ido todos embora. Os três meliantes tinham sido os primeiros a desaparecer com a aproximação rápida da polícia. O Pe. Leonel também já lá não estava e, vim a saber depois, tinha ido para a esquadra e hospital apanhar sete pontos no braço. Acabaram por não lhe roubar nada, e ainda bem que a história não acabou de forma ainda mais trágica.
Finalmente houve a ordem de entrada no comboio. Alguns tentam furar filas, outros arranjar bolsos com carteiras recheadas de gente mais desprevenida, grita-se, corre-se, os guardas entram ainda mais em acção, há encostos, o adro grande fica repleto de gente junto ao portão para a gare.
Ao entrar no comboio encontrei um bom lugar onde me sentei às apalpadelas. Na noite vai-se sentindo a aproximação das pessoas e dos vizinhos de viagem. Adivinham-se vultos e imaginam-se faces, cores, sorrisos... mas de facto não se vê nada. Com rapidez, a carruagem vai enchendo-se de pessoas e bagagens de todos os tipos e por vezes tem-se melhor noção disso quando alguém já habituado a estas andanças acende a sua lanterna. Reparo que o vidro da minha janela está partido e já não existe. Sinto que isso vai marcar definitivamente a viagem, e por ela pode contemplar-se um céu estrelado que profecia uma jornada tranquila.
Depois de uma hora dentro do comboio sempre com gente a entrar e deste estar suficientemente cheio (para os olhos de um ocidental, suficientemente cheio já teria sido há muitos minutos atrás), finalmente ouve-se o esperado apito de partida e, com os solavancos iniciais do arranque, os espíritos alegram-se por já estarmos a caminho.
Seguem-se 11 horas de histórias, situações impensáveis, de chuvas de milho em cima das nossas cabeças, de mamãs a mudarem fraldas com uma agilidade notável, de formigas a caírem-nos em cima provenientes das cargas que vão nas prateleiras superiores, de trocas de palavras macuas que ia pedindo que traduzissem (gritava zangada uma mulher da gare de uma estação para um dos passageiros que lhe pedia para mostrar o que vendia quando o comboio já partia: " Cê, cê...!! É maluco!! Deve capinar! Deve capinar muito!!")...
As estações ou apeadeiros estão sempre abarrotados de pessoas de todas as idades que dependem dos miseráveis trocos resultantes da venda dramática de alguma coisa a alguém que vai no comboio. O facto de conseguirem vender ou não vai marcar o seu dia de barriga cheia ou vazia. Há esforço, suor, todo o empenho por muito pouco. Os miúdos correm angustiados ao lado do comboio, descalços e por cima das pedras, na iminência de ficarem sem produto que já subiu para o comboio e sem dinheiro que ainda não lhes foi pago. Sofre-se muito, só de ver.
E depois tudo continua, naquele ritmo lento até à próxima paragem, pelo meio de montes místicos (a geologia desta zona é única no mundo), de cheiros novos (pelo menos quatro cheiros nunca tinham passado antes pelo meu nariz!), já com os olhos secos do vento e do pó que atravessam a janela desvidraçada a bater na face e com o rabo quadrado pela escassez de coisas moles que o aliviem, mas de sorriso interior por se estar no Niassa, conhecida por Província esquecida, e neste Moçambique que tanto nos dá.
sábado, 21 de maio de 2011
[nomes que dizem tudo #18] adivinhem a paixão do pai
Há dias, na consulta, vi um menino chamado Arlei David. O pai era, obviamente, motard...
[as melhores do serviço de urgência] mães de primeiras águas
Serviço de Urgência, tarde de sexta-feira ao cair da noite. Uma mãe de primeira viagem, enfermeira de profissão vem com o seu bebé de três semanas. Motivo da vinda: choro persistente. Compreendi a situação. É muito diferente falar de cólicas e saber em teoria o que são cólicas ou ter um bebé com cólicas lá em casa. Sobretudo quando se é uma jovem profissional de saúde, a quem tudo passa pela cabeça quando se trata do próprio filho, ainda para mais com o raciocínio toldado pelo desconforto físico, pelas modificações do corpo, pelas hormonas e a privação de sono e ainda pelos tratados de enfermagem que insistem em atirar para dentro do cérebro diagnósticos tenebrosos alternativos. Absurdos, mas enfim, o raciocínio não tem a mesma desenvoltura nesta fase.
Depois de a tranquilizar ela despede-se com um sorriso aliviado e bem disposto. O primeiro sorriso completamente descontraído desde que me entrara na sala. Faz menção de se levantar, mas depois lembra-se de algo:
- Doutora, peço desculpa, mas já que estou aqui aproveito para lhe fazer uma pergunta.
- Claro! O que se passa?
- É que tenho dúvidas sobre como arrumar a pilinha do bebé dentro da falda. Estava a pensar colocá-la alternadamente para a direita e para a esquerda para não criar vícios. O que acha?
[Meus queridos amigos, depois desta estejam à vontade para fazer qualquer pergunta que seja!]
Depois de a tranquilizar ela despede-se com um sorriso aliviado e bem disposto. O primeiro sorriso completamente descontraído desde que me entrara na sala. Faz menção de se levantar, mas depois lembra-se de algo:
- Doutora, peço desculpa, mas já que estou aqui aproveito para lhe fazer uma pergunta.
- Claro! O que se passa?
- É que tenho dúvidas sobre como arrumar a pilinha do bebé dentro da falda. Estava a pensar colocá-la alternadamente para a direita e para a esquerda para não criar vícios. O que acha?
[Meus queridos amigos, depois desta estejam à vontade para fazer qualquer pergunta que seja!]
quinta-feira, 19 de maio de 2011
[the pests of three cities] na sua casa de banho
O que é o pior que pode encontrar na sua casa de banho?
Depois das reacções de várias famílias totalmente horrorizadas sobre a minha simpática companheira de quarto, a Amélia, que zelava pela minha saúde preservando o meu sangue livre de Plasmodia da malária, comecei a pensar que este post se calhar deveria levar bolinha no canto superior direito...
Mas... bem, meus queridos amigos, como diria o Sr. Pompisk: África não é para meninos!
Em Milevane, após um dia lindo, lindo, fui tomar banho e, como sempre, antes de me despir inspeccionei cuidadosamente todas as paredes e o chão da casa de banho - sim, que pior do que um encontro imediato de terceiro grau no duche, só mesmo a triste figura de uma loira encharcada e desnuda a gritar pelo corredor de um convento, sob o olhar quase apocalíptico de padres e freiras... Já quase despida dei de caras com um escorpião que trepava pacatamente pela parede mais recôndita do duche. Mas de onde é que ele teria saído, valesse-me Santa Rita de Cássia. Meu Deus, porque sois tão bom? Tenho muita pena, mas vou cometer um crime... Peguei no chinelo e em menos de um segundo havia mais uma escorpiã viúva no convento... O problema foi que de imediato me assaltou a ideia peregrina de que os escorpiões poderiam ser como as cobras cuspideiras e andar sempre aos pares. Mas depois de uns bons minutos de rabo para o ar à procura do buraco de onde o falecido poderia ter saído e onde poderia estar escondida a sua fiel viúva [quer dizer, quase de certeza fiel, que na viúva de um escorpião nunca se confia, mas assim como assim não teriam passado mais de cinco minutos e, a menos que estivesse outro escorpião no buraco, poderíamos presumir com quase toda a certeza que ela ainda lhe seria fiel...], acabei por me vestir e fui acordar a Irmã Lurdes, que já dormia a sono solto no quarto ao lado do meu:
- Irmã, os escorpiões costumam andar aos pares? - perguntei do lado de fora da porta.
- Não, não necessariamente... - foi a resposta [quase que podia ver a cara de pasmo estremunhado].
- Obrigada e desculpe... Boa noite. Durma bem.
- Sim, dorme bem também. [Uma santa! Não tenho dúvidas de que vai ser santa.]
Já no Gilé, o problema eram os sapos. Eu e a R. quase nos convencemos de que nos tinham lançado um feitiço... Todas as noites, quer na minha casa de banho quer na da R. aparecia invariavelmente um sapo e tínhamos de chamar alguém para o ir enxotar para a rua. Chegámos mesmo a pensar em ir buscar à socapa um curandeiro para quebrar o feitiço dos sapos, já que não estávamos interessadas em nenhum príncipe que nos aparecesse durante o banho - convenhamos que não era um bom princípio para qualquer relação, quanto mais para um casamento... Mas a lembrança do flop absoluto com o curandeiro de Nahavara não nos deixou prosseguir. E também nunca poderíamos explicar à Irmã Lurdes por que raio é que queríamos levar um curandeiro para o nosso quarto. Portanto, lá me rendi à evidência de que os sapos nos haveriam de acompanhar durante a estadia no Gilé e lá mais para o final, apanhei-lhe o jeito e já era eu quem pegava na pá e na vassoura e os fazia saltar à minha frente até à rua. Só não os conduzia até aos charcos porque confiava cegamente na sapiência dos sapos para os encontrar rapidamente [quase que juraria que a palavra sapiência vem de sapo, tal era o engenho com que encontravam o caminho para dentro do meu balde].
Quanto à história da cobra cuspideira e da centopeia, o melhor é nem falar. Em resumo, meus amores, a regra em África é: nunca se dispam sem ter a certeza de que estão sozinhos!
quarta-feira, 18 de maio de 2011
[instantes] a força que mil vidas podem ter!
Quase fiquei de lágrimas nos olhos de ver este vídeo do meu amigo Francisco, que capta magistralmente a confusão indescritível que é uma viagem de comboio no "Nampula-Cuamba Orient Express"... Já em tempos vos falei desta viagem (aqui e, para os resistentes, aqui).
E ao minuto 03:46 pode ver-se a silhueta do Monte Iapala, uma das montanhas mais lindas e mágicas de África. De todos os locais por onde passei, este foi um dos primeiros que me marcou e apaixonou...
[improbabilidades] a (bath)room with a view
Uma das 1600 casas-de-banho "cabriolet" da cidade...
(Rammolutsi, África do Sul)
Imagem publicada pelo Professor, sempre atento e acutilante.
Mil vezes melhores são as casas-de-banho moçambicanas!
terça-feira, 17 de maio de 2011
[nomes que dizem tudo #17] vem cá tenho sede...
... quero o teu nome de refresco!
Hoje passou-me pela consulta uma menina chamada Fanta Tangue. Claro que não era portuguesa, que os nossos conservadores (conservadores com C maiúsculo, que neste caso é um pleonasmo) nunca deixariam alguém baptizar uma criança com um nome que não viesse na lista dos nomes admitidos. Mas desta vez agradou-me o nome tão fluido, tão fresco, tão quase-vitaminado... e um tão pleonástico aroma a laranja.
Hoje passou-me pela consulta uma menina chamada Fanta Tangue. Claro que não era portuguesa, que os nossos conservadores (conservadores com C maiúsculo, que neste caso é um pleonasmo) nunca deixariam alguém baptizar uma criança com um nome que não viesse na lista dos nomes admitidos. Mas desta vez agradou-me o nome tão fluido, tão fresco, tão quase-vitaminado... e um tão pleonástico aroma a laranja.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
[mozambique is greener] as pragas de insectos
Como é que eles controlam uma praga de insectos?
Já em tempos vos contei, mas alguns de vocês só chegaram agora aqui ao mato e ainda não foram chafurdar ali no pântano da coluna da direita, onde estão as histórias antigas, sodades loucas (andam amigas a beijar de boca em boca): no meu quarto em Iapala havia uma osga - a Amélia -, minha discreta companheira de todas as noites, trazida uma tarde pelo cozinheiro, ante o meu olhar de ponto de interrogação... Eu tinha-lhe pedido insecticida porque não tinha rede mosquiteira no quarto.
- Não sei o que é 'setcida, Doutóra - fora a resposta atabalhoada.
- Remédio para os mosquitos - reformulei.
- Ah, não tem problema!
E horas depois regressou com a Amélia!
A verdade é que a minha dama de companhia era melhor que um insecticida e mil vezes melhor que um exterminador (a não ser, obviamente, pelo pequeno pormenor de não ser um homem como o da fotografia mas, géneros e espécies aparte, como controladora de insectos era absolutamente fantástica, com as vantagens adicionais de ser verde, limpa, não necessitar de salário e não ser preciso mandá-la baixar a tampa da sanita. Bem... entre outras coisas.).
sábado, 14 de maio de 2011
[nomes que dizem tudo #16] mentes brilhantes
No Serviço de Urgência dois gémeos idênticos, naturais da Guiné-Bissau e residentes em Lisboa há dois meses, corriam-me pela sala de observação. Piratas de quatro anos, um terror em dose dupla, cada um para seu lado, tentando confundir a mãe que, visivelmente cansada e agastada lhes ia ralhando sem convicção nenhuma. E eu lá ia, alegremente, colhendo a história, fingindo que não os via a juntar-se para se entreajudarem na difícil escalada da marquesa e darem início a uma série de mergulhos olímpicos. Com direito a pirueta e, por vezes, a uma pequena cabeçada na minha secretária e a uma reprimenda exausta da mãe.
- Sócrati, não faz isso! És tu qui disencaminha teu irmão!
- Ah, que engraçado, é Sócrates como o nosso Primeiro-Ministro?
- Não, é Sócrati como o filósofo grego... [Ora toma que é para aprenderes!]
Ora então o Sócrati, estava cheio de calafrios há dois dias e a mãe temia que fosse algo de grave.
- O Sócrati já teve malária, mamã?
- Não, Doutora, só paludismo mesmo...
- Pronto, está bem... [Já estou habituada a que as pessoas não reconheçam um dos sinónimos...] Vamos vê-lo, mas de qualquer modo temos de fazer análises... E como se chama o outro? - pergunto, procurando algum Platão ou Aristóteles na lista de inscritos no computador.
- Chama-se Diskati.
- Ah, Diskati... Mas porquê Diskati? O que quer dizer?
- Não quer dizer nada, Doutora, é Diskati mesmo, como o filósofo...
- Ah, Descartes... [Ó valha-me Santa Eufrásia, eu também não aprendo... mas porque é que pergunto se depois tenho de esconder a cara e morder o lábio?] E então o que tem o menino?
- Sócrati, não faz isso! És tu qui disencaminha teu irmão!
- Ah, que engraçado, é Sócrates como o nosso Primeiro-Ministro?
- Não, é Sócrati como o filósofo grego... [Ora toma que é para aprenderes!]
Ora então o Sócrati, estava cheio de calafrios há dois dias e a mãe temia que fosse algo de grave.
- O Sócrati já teve malária, mamã?
- Não, Doutora, só paludismo mesmo...
- Pronto, está bem... [Já estou habituada a que as pessoas não reconheçam um dos sinónimos...] Vamos vê-lo, mas de qualquer modo temos de fazer análises... E como se chama o outro? - pergunto, procurando algum Platão ou Aristóteles na lista de inscritos no computador.
- Chama-se Diskati.
- Ah, Diskati... Mas porquê Diskati? O que quer dizer?
- Não quer dizer nada, Doutora, é Diskati mesmo, como o filósofo...
- Ah, Descartes... [Ó valha-me Santa Eufrásia, eu também não aprendo... mas porque é que pergunto se depois tenho de esconder a cara e morder o lábio?] E então o que tem o menino?
sexta-feira, 13 de maio de 2011
[instantes] porque a vida é todos os dias...
A mulher que trabalhava à beira do Índico...
(Praia das Chocas, Nampula)
Surrexit blogger vere!
Alleluia, alleluia
Surrexit blogger hodie,
Aileluia, alleluia!
(Pois que me apeteceu dar uma de geek e alegrar-me em latim com o regresso do blogger ao éter cibernético...)
quinta-feira, 12 de maio de 2011
[destino e fado] por mia couto
Lançamos o barco, sonhamos a viagem, mas quem navega é sempre o mar...Mia Couto (num registo de fatalismo africano, anti-existencialista).
quarta-feira, 11 de maio de 2011
segunda-feira, 9 de maio de 2011
[ahora sí, estoy lista!] porque hay que tenerlos!
Inscrevemo-nos no Instituto Español. Ultrapassámos o trauma adolescente de que o espanhol tem de soar sempre a filme para adultos. Hombre, que agora as adultas somos nós! Marcámos aulas particulares para aprender a conversar com as crianças no hospital.
Entre outras coisas já sei encontrar o Noddy e o Bob nos ouvidos dos meninos, procurar uma das Winx lá bem no fundo da garganta das meninas, e descobrir* o que comeram ao desayuno apenas palpando a barriga. Já sei convencê-los de que não, não lhes vou fazer dói-dói e, graça das graças, já sei fazer cócegas em espanhol e perguntar, enquanto lhes coço el ombligo: "De quién es esta tripa gorda?" A minha amiga está muito mais avançada e, entre outras coisas, até já sabe perguntar, com sotaque perfeito e o ar mais natural do mundo: "O menino está tão amarelo... comeu favas hoje?" Em resumo, podemos avançar que Barcelona, olé!, é nossa!
* Mais uma vez se informa que este blog é um fervoroso adepto da vírgula de Oxford, em homenagem ao meu mentor espiritual (sim, esse mesmo, o da crise de soluços).
Entre outras coisas já sei encontrar o Noddy e o Bob nos ouvidos dos meninos, procurar uma das Winx lá bem no fundo da garganta das meninas, e descobrir* o que comeram ao desayuno apenas palpando a barriga. Já sei convencê-los de que não, não lhes vou fazer dói-dói e, graça das graças, já sei fazer cócegas em espanhol e perguntar, enquanto lhes coço el ombligo: "De quién es esta tripa gorda?" A minha amiga está muito mais avançada e, entre outras coisas, até já sabe perguntar, com sotaque perfeito e o ar mais natural do mundo: "O menino está tão amarelo... comeu favas hoje?" Em resumo, podemos avançar que Barcelona, olé!, é nossa!
* Mais uma vez se informa que este blog é um fervoroso adepto da vírgula de Oxford, em homenagem ao meu mentor espiritual (sim, esse mesmo, o da crise de soluços).
domingo, 8 de maio de 2011
[a tale of three cities] estacionamento para loiras
I love New York, I'd live in Paris but...
In Mozambique there is always a place for us!
Eu, beijo-de-mulata, me confesso. Eu sou uma mulher que raramente conseguia estacionar à primeira.
Eu sou uma mulher que continua a achar que em qualquer parque de estacionamento deveriam existir lugares reservados para deficientes e grávidas e outros lugares destinados às loiras. Obviamente que não seriam uns lugares quaisquer. Esses lugares seriam aqueles em que se estaciona directamente de frente e sem manobras. Por uma questão de delicadeza para com este nicho de mercado, que existe, tem poder de compra e capacidade de influenciar a opinião pública. E também por uma questão de segurança para os outros utentes dos parques. Aliás, a minha definição de gentleman é um homem forte que me estende delicadamente a mão para pegar nas chaves do meu carro e me diz, olhos nos olhos, com um sorriso envolvente: "Não se preocupe que eu estaciono o carro por si". O Sr. Lino, segurança no meu hospital, era um gentleman! Que grande perda quando se reformou... Agora sou uma mulher que estaciona mais ou menos, é certo (a necessidade aguça o engenho), mas suspiro pelo país onde todos os lugares são lugares para loiras, sem os apertos alarves de Paris, sem os parking lots de Nova Iorque ou sem as duplas-filas-e-quatro-piscas-e-o-dono-que-só-aparece-se-buzinarmos-com-muita-força de Lisboa! Ah, Moçambique do espaço aberto!
Nota - As imagens no Blogger perdem qualidade. Pode clicar no botão esquerdo do rato para as visualizar com maior nitidez.
sábado, 7 de maio de 2011
[momentos nicola] um dia também lhes vou dar a beber do próprio veneno
Se há momentos em que cometo pecados hediondos em pensamentos é quando estou ao telefone com instituições públicas. Há particularmente um laboratório que, nos dias em que acordo virada do avesso, me dá ganas de fundar um grupo separatista dentro do meu próprio centro hospitalar... Mas está mais do que provado que separatismo e terrorismo é para os pobres de espírito sem inteligência ou criatividade.! Isto sim, meus amigos, é humor a toda a prova...
quinta-feira, 5 de maio de 2011
[a tale of three cities] o táxi e o chapa
I love New York, I'd live in Paris but...
Mozambique is eco friendly!
Já em tempos vos falei dele... do chapa. O chapa é o ubíquo e famosíssimo meio de transporte moçambicano, cartão de visita do país e já várias vezes considerado o paradigma do espírito moçambicano (uma vez vi um chapa que se chamava, precisamente Welcome to Mozambique, mas geralmente têm nomes mais improváveis, como Uma mão lava a outra, Siga-me, Inveja mata e outras pérolas do género...). Dentro destas carrinhas de nove lugares cabe um número inconstante de pessoas, dependendo do conceito de lebensraum do dono (no máximo de alguns centímetros quadrados) e das dimensões e natureza da carga (que pode variar de exclusivamente composta por pessoas até ovinos e galináceos vivos em coexistência pacífica com os restantes passageiros, que se encarregam de os manter vivos até à chegada. Bem... quando morrem pelo caminho também nunca vi ninguém preocupar-se muito: "Se morrer come-se!", parece ser o lema...).
Segundo a lei, os chapas podem transportar até 15 pessoas, mas nunca começam a andar com menos de 20, pelo que os atrasos são constantes porque é preciso esperar que cheguem passageiros suficientes. Certa vez, um amigo meu contou-me, quase incrédulo, que tinha sido literalmente "vendido" a outro chapa em plena viagem, porque aquele onde seguia levava apenas 10 pessoas e o dono achou que a viagem não era rentável naquelas condições!
Geralmente para sobreviver a uma viagem de várias horas de chapa são precisos:
a) Um estômago forte (em alternativa, uma rinite crónica ou uma febre dos fenos aguda, que tire mais de 90% do olfacto ou ainda, a alternativa mais improvável, um fetiche muito particular com o cheiro a catinga associado ao cheiro a animais domésticos).
b) Dois cromossomas X*, sem os quais provavelmente ninguém terá a delicadeza de nos deixar viajar na cabine, onde habitualmente o conceito de espaço vital do dono é preterido em favor do conceito do motorista de esta-gaja-tem-de-se-chegar-para-lá-para-eu-conseguir-meter-as-mudanças!
c) Uma grande flexibilidade e resistência física, senão corremos o sério risco de desejar ficar em qualquer sítio próximo de onde Judas perdeu as botas, seja lá onde isso for... De facto, depois de oito horas de solavancos num chapa já ninguém se importa muito com Judas, quanto mais com o misterioso facto de ele ter perdido as botas. Aliás, com este calor, se não as tivesse perdido, provavelmente até já as tinha atirado borda fora!.
d) Um dia de antecedência em relação aos nossos compromissos no local de destino, para qualquer imprevisto ou para poder ficar de molho, caso a nossa resistência física provar não ser tão elevada quanto pensávamos, que isto já se sabe: Áfrrica... não é parra todos...
*Ser mulher
[welcome to mozambique] paixões
Sim, claro, acham que isto passava em branco no post abaixo? Acho delicioso o fenómeno Sporting em Moçambique...
(Sporting Clube de Nampula, Moçambique)
quarta-feira, 4 de maio de 2011
[welcome to mozambique] as pulseiras mais fashion
Feira do Pau Preto, fotos daqui, que nem por sombras levaria a minha máquina fotográfica para as compras na feira... O que ganharia em registo gráfico perderia em poder negocial.
(Nampula, Moçambique)
Uma das coisas que mais gosto de comprar e que sei que as minhas amigas mais apreciam são as pulseiras exóticas, feitas em pau preto, sândalo e pau rosa que se vendem na chamada Feira do Pau Preto, aos domingos em Nampula, onde se pode comprar de tudo, desde vassouras feitas com fibra de coco até lamparinas feitas de latas de conserva vazias, passando pelas inevitáveis capulanas e medicamentos tradicionais e, claro, aquilo que dá nome à feira, as famosas obras de arte lindíssimas em pau preto, feitas de uma só peça, apenas com um canivete, por homens que aprenderam sozinhos, ou com alguém próximo, a difícil e paciente arte de talhar a madeira.
Certa vez, uma amiga pediu-me que lhe trouxesse como lembrança uma pulseira de rabo de elefante. Segundo ela, era do mais fashion que existia, em termos de acessórios exóticos africanos. Fiquei horrorizada. Eu não sou capaz de comprar marfim ou tartaruga, por mais bonitas que sejam as peças de arte. Por mais que me digam que os elefantes não são mortos para lhes retirar as presas, só as retiram de elefantes encontrados já mortos acidentalmente e que as tartarugas não são mortas de propósito. É fácil iludirmo-nos com estas desculpas ingénuas... Mas uma pulseira de cauda de elefante? Que estranho e, ao mesmo tempo, que curioso. É que não lembra ao menino Jesus, quanto mais ao rabudo... Certo domingo, quando já estava a regressar a casa vinda da feira, mesmo em frente ao Sporting Clube de Nampula, vi estas pulseiras a vender e resolvi investigar por conta própria, num rasgo de inspiração:
- Bom dia, senhor, novidades*?
- Tudo bem, não sei do seu lado...
- Salama**, obrigada.
- Ah... Senhora, estou a vender pulseira.
- Sim estou a ver, estas pulseiras são de quê?
- Rabo de elefante...
- Ah, muito bem. E custam quanto?
- Está a 20 cada uma...
- A 20 meticais? E quanto me faz se levar cinco?
- Fica a 15 cada uma.
. Está bem... E quem fez as pulseiras?
- Eu mesmo, mamã!
- Ah, muito bem, parabéns, são muito bonitas! Mas onde é que arranjou o rabo de elefante?
- É um caçador que vende.
- Um caçador? E onde é que ele caça?
- Não sei, mamã...
- Mas ele mata os elefantes para lhes cortar o rabo?
- [Atrapalhado, sem saber o que dizer a esta mukunya***, que nem comprava nem desgrudava literalmente do seu pé...] Não... corta o rabo, só.
- Hum... Olhe, pode dizer, que eu levo na mesma...
- O quê, mamã?
- Não são de elefante, pois não?
- [Com pouca convicção] São sim...
- Mas pode dizer, não tem problema...
- [Baixando os olhos, envergonhado] Ah, mamã... São di pineu...
- De quê?
- Di pineu, mamã.
- Mas o que é um pineu? É parecido com quê?
- Pineu... Não sabe o que é pineu? Pineu di carro!
- De pneu?!
- Sim, mamã. Nós corta o pineu di carro e dentro do pineu tem o miolo que faz o fio...
- Ah... Levo cinco, então!
* Novidades - Como está [de saúde]?
** Tudo bem.
*** Mukunya - Branca
terça-feira, 3 de maio de 2011
[nomes que dizem tudo #15] sobre a mãe e sobre a avó
Shakira Simone? Ó valha-me Santa Eufrásia! Por favor... Ninguém se deveria poder chamar Shakira Simone... Isto devia ser crime público e vir contemplado no Código Penal no capítulo dos maus tratos a crianças. Era fazer uma denúncia e metê-los a todos em tribunal, com as tias da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens ao barulho, que isto não se faz a um bebé indefeso, senhor doutor juiz, c'órrore!, olhe que se correr ainda os apanha! Quase pensei que era brincadeira. Mas não era. Pensem vocês. Basta pensar um segundo que adivinham de que mentes veio este nome brilhante...
Ora, mãe brasileira, obviamente adolescente, cujo último grande concerto em que ainda conseguiu dançar até mais não poder foi o Rock in Rio 2010. Avó paterna portuguesa nascida nos anos 60, grande apreciadora de fado e que ainda hoje canta "A Desfolhada" no banho quando está bem disposta. Ambas mezzo-soprano com voz de cana rachada e com a mania de que podiam ter sido grandes estrelas da música, caso a vida lhes tivesse proporcionado uma madrinha.
Ora, mãe brasileira, obviamente adolescente, cujo último grande concerto em que ainda conseguiu dançar até mais não poder foi o Rock in Rio 2010. Avó paterna portuguesa nascida nos anos 60, grande apreciadora de fado e que ainda hoje canta "A Desfolhada" no banho quando está bem disposta. Ambas mezzo-soprano com voz de cana rachada e com a mania de que podiam ter sido grandes estrelas da música, caso a vida lhes tivesse proporcionado uma madrinha.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
[outras palavras] manhattan
Aqui, no chamado Ground Zero, no período conhecido por a11/09 existiam duas torres gémeas. (...) Seriam, talvez, os únicos edifícios construídos durante os anos 70 que mereceriam estar de pé. Costuma dizer-se que a fé move montanhas. Infelizmente também pode, num só dia, derrubar o World Trade Center e aniquilar milhares de vidas. O grande problema com que nos debatemos não deriva, provavelmente, de Deus ou dos crentes. É, como em quase todos os ramos, um problema de intermediários.Fernando Bilé in Isto é Comédia
[vozes brancas* #47] à procura do salmonete
Salmonetes para o almoço...
Na semana passada, a mãe de um menino de dois anos contou-me que no dia anterior tinham ido almoçar a um restaurante com excelente peixe em Setúbal e ela, grande apreciadora, resolveu pedir salmonetes para si e para o filho. Mas quando o tentou servir, ele recusou-se a comer o que quer que fosse com um ar muito infeliz, e quase chorava quando ela insistia**.
- Eu achei aquilo tudo muito estranho... Primeiro pensei que ele devia estar a chocar alguma gastroenterite, porque estava com uma carinha tão enfiadinha que quase parecia que estava com dores... Mas depois percebi que ele tinha fome...
- Então o que era? Queria o mesmo que o pai estava a comer?
- Sim, foi isso que acabou por aceitar...
- Pois, claro, estava-se mesmo a ver! - comentei, mas continuava sem saber onde é que ela queria chegar e porque me ocupava tempo da consulta para contar uma banalidade daquelas. - Ele está na idade do Complexo de Édipo. Tenta imitar o pai para agradar à mãe...
- Foi o que eu pensei, mas no final ele olhou para o meu prato e disse, com um ar tristíssimo: "A mamã papou o Nemo..."
* Timbre da voz de uma criança antes da puberdade.
** Mais uma vez advertimos que este blog cultiva a vírgula de Oxford.
domingo, 1 de maio de 2011
[instantes] o dia da maternidade
Chegando à maternidade com uma parturiente transferida por nós, em trabalho de parto há vários dias, depois de horas de caminho, poeira e solavancos, com a mãe, irmãs, roupa e comida para uma semana... Mãe sofre...
(Gilé, Zambézia)
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