domingo, 7 de novembro de 2010

[voluntariado em moçambique] o mukulukhana


A missão de Murrupula.
(Nampula, Moçambique)

Em 2006, na mesma altura em que eu estava em Nampula com a minha amiga A., havia um outro voluntário da mesma ONG que estava a trabalhar numa missão próxima da nossa, em Murrupula. Bem, próxima é uma maneira de dizer… era mais ou menos a 100 km de distância, ou seja, como estávamos na estação das chuvas, ficava a umas duas horas de viagem, parcialmente em picada, à velocidade suicida de 30 km/h. Mas valia bem a pena a viagem para o ir visitar porque esse nosso amigo era uma pessoa tão desconcertante quanto fantástica! Antes de partir para Moçambique em voluntariado tinha sido servente de pedreiro, jardineiro, carpinteiro e actor, emprestando dignidade a todas estas profissões.

Era um jovem simples e com um coração enorme, onde tentava a todo o custo que coubessem os pobres e os doentes por quem passava… um homem absolutamente desapossado, despojado, desamarrado… De tal maneira despojado que um dia viu quase barrada a sua entrada nos Estados Unidos quando resolveu ir visitar Nova Iorque de calções, chinelos, t-shirt e sem bagagem de porão, apenas com duas mudas de roupa interior na mochila e um creme de barbear meio vazio – para não ter mais de 50 mL e poder passar no controlo de raios-x. Não levava lâmina de barbear porque era proibido levar lâminas de barbear na bagagem de cabine. E também porque não tencionava fazer a barba. Aliás, o próprio creme de barbear tinha viajado para os Estados Unidos por engano, erroneamente tomado por gel de duche na madrugada remelosa da véspera...

Não sei o que é que os senhores dos serviços de imigração “teerão” pensado… Que estariam perante um homem que se preparava para praticar terrorismo em Nova Iorque? Mendicismo? Banditismo? Nudismo? E no meio da inusitada escassez de conteúdo de uma mochila, até um inocente e renegado creme de barbear meio vazio pode adquirir contornos suspeitos. Tanto mais que o nosso amigo na altura usava uma barba de eremita. “Planeia fazer a barba em Nova Iorque?”, perguntaram-lhe. Ao que ele respondeu que por acaso não, não planeava. Só se fosse necessário, acrescentou a medo, não fosse existir uma cláusula nas leis da imigração que impedisse os estrangeiros de entrar nos Estados Unidos com a barba comprida. Como os senhores lhe franzissem o sobrolho, explicou que se enganara e levara o creme de barbear em vez do gel de duche…

Esteve a um passo de não poder entrar no país. Salvou-o o facto de ter um cartão de crédito válido, um historial limpo nas visitas anteriores ao país, uma estadia já paga num hotel… e, acredito piamente, aquele olhar a direito, transparente e franco que o caracteriza... Bem, acho que já devem estar a visualizar a personalidade do nosso amigo.

(continua, prometo!)

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