Gilé, Zambézia
Há poucos dias as palavras desta grande senhora da Zambézia tocaram-me profundamente:
Muitos amigos meus perguntam-me por que nunca mais voltei a Quelimane, a Moçambique, depois de ter criado um blog para recordar a minha terra, homenageá-la e lembrar os anos mais felizes da minha vida… Parece-lhes que é um sofrimento que alimento por querer, com medo de encontrar fantasmas escondidos nas dobras do passado... É difícil explicar as razões, talvez até nem encontrasse as palavras adequadas… Seria um regresso solitário a um cenário onde já faltam tantos intervenientes! E se calhar, o cenário até já nem seria o mesmo…
Ao ler o prefácio do livro “ Postais Antigos e outras Memórias da Zambézia” achei que ele (...) encontrara as razões do coração: "(...) Envolto pelos sons mágicos da noite africana, no solitário quarto do Hotel Chuabo, fui acometido da estranha sensação de que eu já ali não pertencia. Que eu era um actor deslocado, num cenário familiar, onde a peça em cena me era estranha. Mas pouco a pouco, compreendi que ninguém poderia acrescentar ou diminuir personalidade àquela cidade, onde o asiático, o europeu e o genuinamente africano se fundem num singular equilíbrio. (...)"O meu primeiro impulso foi responder-lhe de imediato que não havia que temer. Eu já conheci a Zambézia depois da Independência, depois da guerra civil, depois da desminagem, depois de a paz ter vindo para ficar... Muito depois dos tempos áureos. E ainda assim a verdade é que, em qualquer circunstância, África fica, África chama. África inflama! É lugar-comum nestas ocasiões falar-se romanticamente em feitiço ou em qualquer outra coisa, de racional ou irracional, equivalente a feitiço. E eu, que sou uma rapariga remediada, sem quaisquer aspirações ao Nobel ou ao Prémio-Camões-pela-obra-de-uma-vida, não tenho a menor pretensão de fugir a lugares-comuns. Aliás, acredito piamente que foi o que aconteceu comigo...
A paixão é algo de mágico, fatal e inevitável. E, Graça, aquilo que a apaixonou há trinta anos atrás, as pessoas, a cultura, a língua, a paisagem, o cheiro largo a espaço aberto, o Índico, o pôr-do-sol, os embondeiros, as danças, a liberdade... tudo permanece igual, tenho a certeza. Não acredite naquela frase batida de "nunca voltes a um lugar onde já foste feliz!" Eu, pelo menos, acredito que é possível.
Mas aí comecei a pensar... e tive um arrepio. Do mesmo modo, se daqui a vinte anos o meu Gilé fosse uma cidade desenvolvida, se daqui a vinte anos o meu Gilé tivesse, desgraçadamente, crescido sem mim e já lá não vivesse ninguém que eu tivesse conhecido, se nada restasse das casas onde fui feliz, se já não pudesse voltar a trabalhar no hospital com as crianças que sempre me deixam rendida, eu talvez tivesse medo de não encontrar o meu espaço quando fosse de novo visitá-lo. E provavelmente também teria medo de não reencontrar felicidade no regresso... Oh, please, don't let me grow without Africa!
Mas há histórias de reencontro... Lindíssimas. Não sei é se as vou conseguir contar em segunda mão...
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