terça-feira, 14 de dezembro de 2010

[pássaros feridos] improbabilidades da vida no mato

A avenida do hospital
(Gilé, Zambézia)

E a propósito de traficantes de ouro... Há dois anos um negociante holandês, numa viagem de avioneta para o Gilé, teve uma avaria no trem de aterragem e ficou a sobrevoar a vila durante tempos infindos para tentar esgotar o diesel e procurar um local de aterragem mais plano e seguro do que o descampado onde costumava aterrar. A chegada de um avião é sempre um acontecimento empolgante no mato e uma meia hora em djika-djika sobre a vila foi suficiente para colocar metade do Gilé na rua em polvorosa e de nariz no ar, tentando perceber que raio é que se passava com aquele passarão branco que rosnava de perto, ameaçadoramente perto, parecendo lutar contra a gravidade sem se atrever a arriscar o inevitável encontro com o solo. Que lhe valesse Santa Rita de Cássia, padroeira das causas impossíveis, se os estivesse a ouvir...

Por fim, o grande pássaro ferido resolveu-se a aterrar... em plena avenida principal! E, apesar de ter visto homens, mulheres e crianças no meio da rua, "arreda que lá vai aço!", de repente, e sem qualquer aviso prévio, poisou no início da avenida e iniciou um sprint interminável de 300 metros digno de um filme de terror, no meio de poeira, gritos e aflições, acabando por embater contra o muro do hospital.

Miraculosamente, toda a gente escapou ilesa, desde as pessoas na avenida até ao piloto da avioneta, passando pelo impagável casal de perus que vive acantonado à porta do hospital e que persegue afincadamente os transeuntes, num glu-glu-glu trôpego e ameaçador. [Nota mental: escrever sobre esta dupla improvável. Será um post algo arriscado porque pode ter efeitos colaterais, não para o casal de perus, que não tem nada a perder, mas para a minha própria reputação. Mas enfim, talvez arrisque... Sabem que geralmente não resisto a uma boa história. E há uma contra-ameaça que talvez me proteja...]

Minutos depois, no meio do silêncio incrédulo que se seguiu àquele acidente odioso mas felizmente sem consequências, o povo viu sair, com apenas duas ou três escoriações na face, o piloto holandês. Mal recomposto do susto, procurou bebida e pousada na residencial do Sr. Pompisk (para ele, mesmo que não nos esteja a ouvir, um abraço!), que lhe disse, obviamente, que nessa noite estariam lotados e que a cerveja estava esgotada. Não se atrapalhou. No mato, para o bem ou para o mal, há sempre alternativas. Pagou regiamente a três agentes da polícia para ficarem a guardar a sua avioneta durante três dias, salvando-a assim da pilhagem mais que certa, pernoitou em casa do administrador e, no dia seguinte, partiu num jeep alugado para regressar dois dias depois com um camião e um grupo de mecânicos que desmontou o aparelho e o levou dali, para nunca mais regressar.

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