sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

[hipocondria] tão bom que já me tinha esquecido como era!



Durante o curso de Medicina, não há estudante que se preze que não tenha tido uma preocupação grave com a sua própria saúde, por curta que fosse, sobretudo no terceiro ou quarto ano, em que as doenças e os doentes começaram a surgir em catadupa nas nossas vidas.

Mas, como em tudo, há os que abusam. Eu fui uma delas. E desde cedo! Ao todo umas cento e tal doenças ligeiras, quinze graves e dez fatais! Ele era aneurismas da aorta abdominal, ele era cancros em vários orgãos e sistemas, ele era todo o tipo de doenças infecciosas e parasitárias, incuindo as que existem exclusivamente em locais recônditos de África ou da América do Sul. Recordo-me particularmente de uma insuficiência renal aguda no segundo ano, que durou dois dias, altura em que terminei de estudar o aparelho urinário e passei a ter uma azia de caixão à cova porque me meti (assim à maluca!) a estudar o aparelho digestivo. Recordo-me também de um linfoma no terceiro ano, que só passou com uma autoridade em Hematologia a dar um murro na mesa e dizer-me que não me fazia biópsia nenhuma porque não tinha indicação. Rezei por ele durante anos!

A verdade é que todos passámos por isso. E à medida que o tempo passava, os sintomas tornavam-se cada vez mais sofisticados e consistentes. Qualquer dormência que surgisse, seguia uma distribuição por dermátomos, as dores abdominais exacerbavam-se sempre à descompressão, como na apendicite aguda... Mas claro que tínhamos crítica. Claro que minutos ou, na pior das hipóteses, horas depois fazíamos o percurso mental inverso e desmontávamos os sintomas e somatizações. Riamos de nós próprios, que é sempre o melhor remédio. O problema é que também este processo falhava por vezes. Tenho inclusivamente uma colega que só se rendeu à evidência de que tinha mesmo uma apendicite aguda e não uma somatização (estávamos no estágio de Cirurgia II) quando chegou à fase de "ventre em tábua"...

Depois tudo passou, felizmente! Não tenho saudades, confesso. Muitos dos meus colegas ficaram alérgicos e não suportam doentes hipocondríacos. Eu, pelo menos, continuo sensível ao tema. E achei delicioso ler no outro dia a São João, que dizia com imensa graça: "Não sou hipocondríaca. Eu somatizo é muito!" E responde a Mariana, logo ali, com o mesmo sentido de humor: "Eu também nunca invento sintomas, tenho é muitos. E geralmente todos graves!" Benza-vos Deus, minhas queridas, que não há doença que vos resista à boa disposição!

8 comentários:

  1. Eu desde que entrei já tive pelo menos uma maleita de cada especialidade. Como ainda vou a pouco mais de meio devo bisar até ao fim ;)

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    1. Bisa mas não abuses! ;) A boa notícia é que isso passa! Geralmente no fim ou até um pouco antes do fim...

      (um) beijo de mulata

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  2. Comigo aconteceu um fenómeno ligeiramente diferente: sempre que me gabei de ser tããão saudável acordei com um febrão no dia seguinte! Só à conta do seu hospital foram duas belíssimas amigdalites!

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  3. As minhas maleitas nunca são muito graves, são é sempre crónicas não sei porquê :)

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  4. Sou historiadora, ou tento ser vá, mas lembro-me daquela vez em que fui a correr às urgências do hospital de Braga, certa de que tinha encontrado um nódulo no meu corpo, de tamanho enorme e seguramente já num estagio avançado de cancro... A média que me atendeu, amorosamente auscultou, apalpou, fungou e depois afastou-se com o seguinte veredicto e cara de seriedade total: - "Parabéns, descobriu os seus nódulos linfáticos!... E deixe-me que lhe diga estão no sítio, de perfeita saúde e com as dimensões normais... Agora por favor diga-me como raio conseguiu descobri-los? É que nós temos tanta dificuldade para os encontrar por apalpação, inclusivé nas crianças...

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  5. Fui exactamente igual. O meu pior ano foi o 3º quando algumas cadeiras, como Introdução à Clínica, eram dadas por sistemas de órgãos. Tinha sempre uma doença de prognóstico reservado no sistema de órgãos sobre o qual estava a estudar na altura. Mas passou que foi um instante, no 5º ano acho que já era uma pessoal "normal" ;)

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  6. Querem mesmo falar de doenças? Querem? Querem?

    (Eu tenho tudo menos cancaro na próstata)

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    1. Claro que queremos, querida Pólo Norte! Conta-nos tudo, não nos escondas nada!

      (um) beijo de mulata

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