Já vos falei do Lázaro, o menino angolano internado há 132 dias no meu hospital por uma aplasia medular grave e irreversível. Ele e a mãe, vindos directamente de uma localidade na periferia de Luanda, aguardam pacientemente por um transplante de medula óssea que lhe renove a fonte do sangue que, por qualquer razão inexplicável e injusta, se lhe secou há meses.
No entretantos, o Lázaro teve de fazer nova análise da medula óssea. No nosso hospital, felizmente, estas análises são feitas sob anestesia geral no bloco operatório. Nenhuma criança deve passar por um procedimento doloroso desta natureza sem uma anestesia. A dor não pode fazer parte da vida das crianças!
E, há umas semanas, de manhãzinha, lá foi o Lázaro para o bloco operatório, deixando a sua mãe pálida de tanta preocupação, agarrada ao seu terço e à bíblia, sentada do lado de fora, a vê-lo desaparecer numa sala tenebrosa, onde todos andavam de face coberta como os bandidos, vestidos de um verde horrível, e sem sapatos. Como era possível que alguém se atrevesse a trabalhar num hospital de crianças vestido com aquele verde, a cor da decadência e da inveja? Como era possível que lhe tivessem recusado a entrada na sala para estar junto do filho apenas porque se negara a vestir aquela vestimenta que só podia trazer má sorte e maus-olhados?
O procedimento foi rápido e sem complicações. Em menos de meia hora o Lázaro estava novamente no quarto, acompanhado pela sua mãe. Dormia sob o efeito dos tranquilizantes, mas teve um despertar turbulento: as crianças por vezes têm uma reacção paradoxal aos tranquilizantes e, em vez de ficarem calmas, ficam agitadas e irritáveis!
Minutos depois foram dar com eles no quarto, no meio do maior estardalhaço. O Lázaro, ainda meio a dormir, gritava que o estavam a matar, debatia-se, quase a atirar-se da cama, e chamava os nomes mais horrendos à mãe, enquanto esta o segurava com uma mão, para que não caísse da cama, e com a outra brandia a bíblia sobre a cabeça do filho, tentando expulsar-lhe os demónios do corpo: "Sai, Satanás! Sai!"
Felizmente a reacção também passou rápido. Acabou por acordar completamente e ficou meio envergonhado quando se deu conta do que tinha estado a dizer: "Desculpe, Doutora, foi aquele medicamento que me deram que me deixou louco!" E depois, adivinhando que a mãe não tinha percebido nada do que se passara com ele, virou-se para ela e disse-lhe: "Obrigado, mamãe, demónio já saiu!"
Vai longe este menino! Queira Deus que o dador venha a tempo...
(continua...)
Sim oxalá o dador venha a tempo.
ResponderEliminarEm tempos decidi ser dadora de medula ossea, algo que queria muito, no entanto não fui aceite porque tenho quistos na tiroide. Faço exames regulares à tiroide e funciona bem, não havendo qualquer alteração nos valores das análises. No entanto, não fui aceite...não percebi e fiquei frustrada!
Um beijo