quinta-feira, 7 de julho de 2011

[as melhores do serviço de urgência] moçambicanismos

Regra gramatical prática para quem gostaria de exercer Medicina no mato em Moçambique: Preferir sempre as conjugações divertidas às conjugações perifrásticas. Na dúvida inventem, que está sempre certo! (Com um grande obrigado ao correspondente honoris causa deste mato, infelizmente já não residente no Chimoio, mas espero que esteja muito feliz na Dinamarca).

Alguns exemplos:
Tomar o pequeno-almoço = Mata-bichar (Nunca dizer "tomar o mata-bicho"!)
Fazer barulho = Barulhar
Sofrer um acidente = Acidentar
Fazer chichi = Chichir

Concretizando num exemplo, uma pérola numa consulta no Gilé:
- Moséliwa? [Amanheceu bem para si hoje?]
- Ah, koséliwa! [Sim, amanheceu bem!]
- Então, mamã, de que está a chorar a criança? [Fórmula da Urgência Pediátrica equivalente a "Então, mãe, o que a traz cá hoje?"]
- Quando ela está a chichir sai-lhe o pipo.
- Como?!
- Quando está a chichir sai-lhe o pipo....
- A chichir?
- Sim, a chichir...
- A fazer chichi?
- Ah... [Ah, um som levemente aspirado, quase sem vogal. Quer dizer sim, ao contrário do mesmo som em Português, que quer dizer "Ai-que-me-esqueci-de-uma-coisa-muito-importante-como-por-exemplo-um-tacho-ao-lume-e-agora-ai-meu-Deus-que-fiquei-aflitíssima."]
- Sai-lhe o quê?
- O pipo. [Apontando para o umbigo, que tinha uma hérnia umbilical... De facto, se a criança fosse uma boneca insuflável, a hérnia do umbigo poderia perfeitamente ser o pipo... Ó valha-me a Santa do Pau Preto, que isto é preciso tirar outro curso...]
- Mas qual é o problema de lhe sair o pipo quando está a chichir? É normal... Ela faz força e o pipo sai... [Isto só a mim... Venho para o outro lado do mundo, tenho setenta urgências para ver por dia, uma data de crianças doentíssimas à espera e vêm mães com precisamente as mesmas fantasias que as europeias, com as mesmas dúvidas e que vêm à urgência por dá cá aquela palha...]
- Mas depois o pipo entra e dá-lhe mordeduras na barriga...
- Ah... Mas isso desde quando? Desde sempre?
- Desde ontem...
- E perdeu o apetite de comer?
- Não percebi...
- Mata-bichou hoje?
- Nada, não quis comer...
- [Bem, então deve ser alguma coisa mais complicada, por certo... Ela é que provavelmente não se consegue expressar bem. E eu para aqui a zangar-me sem razão nenhuma...] E teve febre?
- Não.
- [Ai, que nunca me lembro que eles não sabem o que é febre...] O corpo aquece?
- Sim! E o chichi está a quentar muito!
- O chichi sai muito quente?
- Sim, mas lhe aquece também.
- [Quer dizer que tem ardor a urinar...] Então vamos ali fazer uma análise de urina, que deve ser uma infecção urinária...

5 comentários:

  1. E nós que já achamos arrevezados os dialectos do Continente e das Ilhas... :-)

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  2. Hoje pela primeira vez em 2 meses (quase três) deste lado do Índico, apanhei chapa... Xiiiiiiii, experiência surreal... Demasiado calor humano,e a amigdalite a querer voltar...Ah! e um Frango assustado ao colo do rapaz que ia num pedacinho do banco a trás do meu! Mulungo sofre... ahahahah

    Um beijo da cidade das acácias,

    Ruiva

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  3. É verdade, Gi, mas a cada um seu crioulo...

    Ruiva,
    - Uma viagem de chapa - 10 meticais (será?)
    - Uma camisa para lavar e engomar porque ficou suja até mais não - 100 meticais
    - Viajar à frente de um frango assustado mas mais à larga que o próprio dono - não tem preço!

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  4. De rir!lembra-me quando trabalhei em Angola!Mas por estas terras europeias também nao sabem o que é febre, isso é que é triste(ou fingem que nao sabem). Gostei do blog, parabéns!

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  5. Maria, obrigada! Volta sempre para recordar um pouco...

    (um) beijo de mulata

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