Quem não é psiquiatra nem trabalha em saúde mental, pode não
ter noção que por detrás da palavra "pedófilo" podem estar conceitos
muito distintos.
Segundo o DSM, o manual/ "catálogo" de doenças
mentais, o termo "pedofilia" é isso mesmo que descreves: uma
orientação sexual. Uma atração preferencial por crianças pré-púberes, antes da
adolescência. Também diz que essa atração é egossintónica, ou seja, a pessoa
muitas vezes não se sentem mal com isso, tal não as impede de funcionar
normalmente em todos os outros aspetos da sua vida em sociedade e não cria
dificuldades inter e intrapessoais significativas. Como tal, um pedófilo assim
descrito não procura ajuda. Já daqui vem uma dificuldade. Por vezes passam ao
ato com crianças que estão ao seu alcance (dentro e fora de casa). Mas ocasionalmente, essas pessoas interiorizam que este ato é condenado pela sociedade, podem refletir sobre isso e, sobretudo depois de terem sido condenadas por um abuso que cometeram, podem entrar em tratamento e, até certo ponto, controlar o seu impulso. Nesses talvez valha a pena investir.
A verdadeira questão é que, em criminologia em geral, e segundo a lei portuguesa em particular, os crimes de pedofilia são quaisquer crimes sexuais cometidos contra crianças ou adolescentes, pré-púberes ou não. Dentro da categoria "pedófilo" estão criminosos sexuais em geral, que cometem crimes contra qualquer pessoa e, "por acidente", também contra crianças, e psicopatas cuja escolha de crianças lhes aumenta o prazer por se tratar de alguém com menor poder e menor capacidade de reação. São sobretudo estes que passam ao ato. São quase só estes que são condenados. São quase só estes que aparecerão nas listas. Listas estas que condeno, por todas as razões que tu argumentas. Menos as que dizem que os pedófilos são tratáveis. Porque muitas vezes não são.
Os tais pedófilos de que falas, os que cumprem os critérios do
DSM, sobretudo os que cometem abusos dentro das próprias famílias, quase nunca
são condenados. Por mais diferenciadas que sejam as mães e os outros
encarregados de educação, quase nunca têm coragem de levar o processo adiante
até à condenação porque não querem ver o pai das crianças preso. Porque no fundo
quem sofre sempre são as crianças. E ninguém quer que o seu filho seja apontado
como “o filho do pedófilo”.
Ou seja, neste caso (o das listas de criminosos sexuais
condenados por crimes contra crianças) pedófilos não são doentes mentais que
devem ser ajudados. Neste caso pedófilos são criminosos que, na sua maioria têm
perturbações graves da personalidade, na sua maioria psicopatas, e têm
compulsão a repetir o ato, mesmo depois de terem sido condenados. Confesso que por vezes não me apetece ser contra as listas. Sobretudo quando vejo uma criança atrás de outra a ser abusada pela mesma pessoa. E quando pergunto: "Mas esse homem não estava debaixo de olho? Ninguém tinha avisado a mãe que o homem que tinha metido lá em casa era um criminoso sexual?"
E as respostas não são simples. Por vezes a mãe não tinha sido avisada. Por vezes tinha sido avisada e não tinha acreditado na polícia ou na assistente social. Se o perfil dos criminosos é complexo, o perfil das vítimas é ainda mais intrincado...
O que eu sei é que por vezes vejo crianças, vítimas durante
anos de violência (sexual ou não), completamente destruídas por dentro na sua
autoestima e integridade psicológica, por pessoas, supostamente cuidadoras,
fossem pais, padrastos, tutores, padrinhos e que, a muito custo, as mães lá se
organizaram para se livrarem deles. E, meses ou anos depois, pergunto às mães:
"Onde está esse homem?" E elas respondem: "Tem uma nova família."
E eu arrepio-me. Quase que poderia ser a favor das listas,
não fossem elas atentados contra os direitos humanos e o direito à privacidade.
Não fossem elas prejudicar ainda mais as famílias deles, já de si devastadas.
Não fossem elas ineficazes. Mas acho que se deveria preparar melhor as equipas
que estão no terreno, articular melhor com os serviços de saúde mental, com as
associações de apoio à vítima. Deveria haver um mecanismo previsto na lei que
se poderia aplicar em caso de reincidência ou comprovada compulsão a repetir
para manter os criminosos debaixo de olho a longo prazo depois de terem sido
condenados. Isto sim era responsabilizar o estado e não criar alarme na
comunidade. Isto sim seria descansar a comunidade e não criar uma comunidade em
alerta permanente.
Obrigada mais uma vez, Rita, por voltares.
Já te fui finalmente lá responder, mas no essencial gastei umas quarenta linhas a dizer que concordo com tudo :)
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