terça-feira, 23 de julho de 2013

[welcome to mozambique] de comer e chorar pelo ramadão


 
O Ramadão em Moçambique. 
Os praticantes da fé muçulmana pouco se afastam das mesquitas durante o dia, em todo o Ramadão. Ao cair da noite reúnem-se sob um céu que se deseja escuro, depois do tão desejado pôr-do-sol, para enfim renascer um pouco da letargia que assola corpos e mentes durante o dia, invadidos de fome, calor e cansaço...
 
Mas eis que desabafa a minha amiga Maria, em voluntariado em Mitande, no Niassa:
"Meus amigos, alguma vez desejaram ser muçulmanos? Alguma vez desejaram cumprir fervorosamente o Ramadão? Bem eu nunca. Até ontem.

Foi numa visita a uma comunidade, após ouvir todas e mais algumas preocupações, ter feito consultas, tratamentos, psicoterapia e ter sabido novidades de algumas mamãs e crianças que eu tinha tratado na minha visita anterior, as mamãs aldeia da chamaram-me para um almoço que tinham preparado especialmente para mim: xima* e peixe seco [um peixe-seco-insuportavelmente-mal-cheiroso-coberto-de-areia-e-moscas-nas-bancas-dos-mercados-e-só-de-pensar-nele-já-sinto-cólicas-e-os-intestinos-num-rebuliço], comida que se come à mão, sentada numa esteira, depois de lavar as mãos na mesma água em que já todos lavaram as suas, mãos essas que, obviamente, nunca são lavadas depois de satisfazer necessidades fisiológicas e afins. Agradeci com um sorriso nos lábios e um aperto no estômago.

Viro-me para o ativista que me acompanha nas saídas à comunidade: "Temos mesmo de comer, não é?" Ao que ele prontamente me responde: "Sim, a enfermeira tem de comer, eu estou a celebrar o Ramadão."

Pois.. Ainda ponderei responder que também estava a celebrar o Ramadão. Mas depois lembrei-me que vivo no pátio da igreja e que toda a gente me chama de irmã, portanto estava por terra a única desculpa culturalmente aceite para recusar uma refeição..."

Maria, minha princesa africana, se me estás a ouvir: dá sinais de vida, please! Mas tens aí, no kit de emergência que te preparei, alguns medicamentos que te podem servir nos próximos dias...
* Farinha de milho cozida e amassada, que serve para acompanhar o prato principal.

4 comentários:

  1. Tb fiquei com um nó no estômago depois de ler isto. Sempre quis fazer voluntariado/missão numa 'terra' dessas (sou enfermeira), mas infelizmente a oportunidade nunca surgiu. Deve ser uma experiência para a vida mas claro que estes episódios tb marcam :D

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    1. É uma experiência para a vida, sim, e estes episódios, pelo menos a mim, que devo ter o gene da fibrose quística e nunca tive uma gastroenterite na vida (lagarto, lagarto, lagarto), foram sempre totalmente pacíficos...

      (um) beijo de mulata

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  2. Sim mulata-do-beijo! ouvi-te porque tenho uma irmã tua fiel seguidora que me avisou, senão, não chegaria aqui a tua voz... bom, as novidades agora são mesmo que estou bem [e felizmente sobrevivi a esse dia sem qulquer sequela]... ah, e o kit que me preparaste tem sido bem útil :D
    obigada por tudo, e continua com essa alegria a viver a grande aventura da adoção :)
    [Maria, Niassa]

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  3. Realidade do meu País. Entretanto, é gesto dessa gente que deve ser valorizado.

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