terça-feira, 5 de junho de 2012

[outras palavras] o machimbombo




Chapas e machimbombos, os meios de transporte colectivo de Moçambique...
Fotos da net (mais uma vez lamento mas não tenho o link...)


Fui deixar a Maria ao machimbombo às 3h da manhã - machimbombo é o nome dado aos autocarros aqui em Moçambique. Viajar num, pode ser uma risota: compra-se de tudo a vendedores que surgem de lado nenhum, ouve-se o inimaginável, cheiram-se novidades, toca-se o imponderável!

Por outro lado, é também um risco. Nunca se sabe o que vai acontecer: as avarias sucedem-se; os pneus furam sem terem suplentes; os destinos são alterados a meio do caminho; o cobrador pode mandar sentar uma pessoa ao colo doutro passageiro durante horas de viagem (a Maria já deu colo a um homem de fato e gravata durante 6 horas); os passageiros podem ser expulsos, deixados no meio do nada – porque a polícia está adiante e o machimbombo não tem licença para transportar tanta gente; e por aí adiante...

Poucas horas depois de partir num machimbombo amarelo cortado por riscas vermelhas, com a palavra «Jesus» escrita nos costados, a Maria escreveu-me um sms: “ta tudo óptimo, dormi até agora, acordei porque o gajo atrás de mim entornou fanta pa cima de mim”. Eu sabia que a Maria estava num machimbombo decrépito, também sabia que aquela estrada não tem estações de serviço – nem nada que se assemelhe – nos seus lentos quilómetros de calor e pó.

Comecei, então, a imaginar o que seria viajar ali molhado de Fanta: sentir o açúcar peganhento que derrete na pele com o calor, sentir a cadeira, furada e torta, colar-se a mim, e, pior que tudo, saber que nada disso vai desaparecer nas longas horas que faltam até ao destino. Identifiquei-me com a situação da Maria. Quando me acontece algo que não controlo, quando me sinto inseguro, sem qualquer poder sobre os acontecimentos, partilhar a impotência torna as situações desconfortáveis, em situações um pouco menos duras. Eu já mandei vários «desses» sms! Lembro-me dum de queixume – depois duma missa campal de seis horas alternando sol tórrido com chuva abundante; doutro de desespero – quando fiquei com o carro atolado dentro duma reserva de leões; doutro ainda de surpresa – na primeira vez que assisti a cerimónias tradicionais de evocação de antepassados. Todos esses sms eram pura necessidade de dividir essa fragilidade e, assim, retomar o ânimo.

(continua...)

Manuel Cardoso, sj
Perdido, em terra de nenhures
Crónica de Longe, Maio 2012

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