Há alguns anos, quando comecei a especialidade em Pediatria, ouvi pela primeira vez a expressão "gómitos"... Sim, pela primeira vez. Por favor, não me interpretem mal. Eu talvez até já tivesse ouvido a expressão anteriormente mas, como sou dona de dois ouvidos bem-educados, decerto que um deles ouvia delicadamente a palavra "vómitos" e explicava ao outro que não, que que tinha ouvido mal, que disparate, tomasse juízo que já ia sendo tempo, e continuava a conversa.
Até que um dia fui procurar a palavra à enciclopédia e a encontrei listada: "forma popular de vómitos". E fiquei descansada. No fundo era como dizer pilinha em vez de pénis, pensei. Cada um tem o direito a usar com os filhos as palavras que aprendeu em casa, que são as que têm um significado mais próximo da sua identidade enquanto família.
E nada mais haveria a acrescentar não fosse há tempos eu ter-me apercebido de que a enciclopédia estava errada! Os investigadores e linguistas que a escreveram poderiam ser muito conceituados e tudo e tudo, mas as suas fontes, por mais eruditas que fossem, não se equiparavam a um bom serviço de urgência. Há tempos estava, pois, uma mãe a dizer-me que o filho tinha tido "gómitos" a manhã toda.
- E quantas vezes vomitou o menino?
- Não vomitou, doutora, "gomitou".
- Sim, sim, mas consegue dizer-me quantas vezes foram?
- Isso não se consegue contar, doutora!
- Ah... então foram mesmo muitas, é?
- Mas como é que quer que eu saiba? Isso é importante?
- Sim, é muito importante, para perceber se perdeu muitos líquidos.
- Mas não perdeu líquido nenhum, doutora, o que é que eu disse?
- Disse que o menino tinha vomitado muitas vezes...
- Não, não foi isso que eu disse!
- Não percebo...
- A doutora é que não ligou nunhuma ao que eu disse! O menino tem tido é "gómitos" não vómitos!
- ... [Cara de ponto de interrogação. Valha-me São Luís de Camões!] Mas qual é a diferença para si?
- Para mim e para toda a gente! Vómitos é quando sai alguma coisa e "gómitos" são vómitos secos. É quando não sai nada!
Delicioso! Não sei quantos cursos é preciso tirar para compreender bem o Português... Mas enfim, aqui estou eu a tentar contribuir para um glossário popular da linguagem médica portuguesa. Como diria a Rita Maria, vá lá a gente não amar uma língua assim!
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