Depois de postar o provérbio africano ali abaixo, que diz que sem mãe, qualquer lar é um deserto, fiz o caminho de volta do mato até Lisboa e calculem que só então me apercebi que esse provérbio, para ser verdadeiro, aqui não pode passar de uma metáfora. Onde se lê "mãe" tem de se ler "carinho", nada mais. Aliás, na semana passada estive num encontro de adoção com pessoas que adotaram crianças há menos de seis meses e conheci dois homens solteiros (ou divorciados, ou coisa que o valha, que isso não me interessa, amigas, não se ponham já a sorrir com cara de caso) que se meteram na aventura de adotar uma criança sozinhos. A casa deles não tem mãe mas, pelo que me contaram, é um oasis que os meninos encontraram no seu deserto emocional.
Um deles, o F., falou-me de peripécias absolutamente desconcertantes, ainda muito recentes, com o filho de cinco anos, que lhe perguntou, da primeira vez que foram ao supermercado, como se chamava a senhora da caixa. Ele, um pouco encavacado por a senhora os estar a ouvir, respondeu que não sabia, que não a conhecia. "Então porque estás a brincar com ela ao Monopólio?" E foi então que o F. percebeu que ele nunca tinha visto dinheiro ao vivo e pensava que as notas e moedas eram peças de brincar. Tal como rapidamente se apercebeu de que o filho nunca tinha visto alimentos crus, salvo banana e laranja, e pensava que os alimentos que ele tinha na cozinha eram brinquedos como aqueles com que as "meninas pirosas" brincavam às cozinhas no lar onde vivera.
Contou-me que o filho o chamou de hora em hora durante a noite nos primeiros quinze dias, até lhe explicar que não podia chamar tantas vezes porque os dois precisavam de dormir. A cara de espanto do menino foi inacreditável: "Mas os crescidos não dormem! Lá na outra casa eu chamava sempre e as educadoras vinham. Estavam sempre vestidas e a conversar." E o F. lá lhe explicou que todos os adultos dormem e que o pai, especialmente, precisava de dormir bem para ficar bem disposto. Depois explicou-lhe o que fazer em todas as situações para as quais ele o tinha chamado noites a fio: frio, calor, vontade de ir à casa de banho, sede, etc. Ele não se sabia tapar sequer...
Contou-nos ainda que um dia o menino o viu a arrumar comida no frigorífico e aproximou-se pé ante pé. Segredou-lhe então baixinho, pregando-lhe um susto: "O que é que estás a esconder?"
É absolutamente maravilhoso imaginar o menino que lhe chegou a casa há cinco meses e a explosão de desenvolvimento que se deve ter seguido para chegar a ser o menino bem adaptado, simpático e desenvolto que é hoje. Em cinco meses! Portanto bem se vê: para dar vida a um deserto não é preciso uma mãe, é preciso haver quem ame e se interesse.
Gostei tanto... tanto.
ResponderEliminarTenho um aluno com 11 anos, que foi adotado em setembro de 2012. Quando lhe perguntei se estava a gostar da vida nova, disse: "muito. É fixe ter uma bicicleta." Achei delicioso.
Gabriela
:)
EliminarLindo.... vou levar para o nos adoptamos... posso?
ResponderEliminarJorge
Obrigada, Jorge, claro!
Eliminar(um) beijo de mulata
Querida BdM,
ResponderEliminarUma mãe aqui é como o "pai" na generalidade dos textos sobre parentalidade (olh'ó palavrão), não tem género definido. E agora até podia dizer que o amor não olha à cor e que quando verdadeiro tem os tons do arco-íris, mas isso seria piroso e eu num sou dada a isso.
Um sorriso muito apertado!
Eu adotei a minha filha quando ela fez 10 anos. Estas palavras fizeram-me lembrar muitas coisas que ela desconhecia, como por exemplo o que era estudar à vespera e isto é mesmo só um exemplo... poderia falar de tantas outras coisas
ResponderEliminarParabens pelo blog
um abraço
lua
Olá Dra!
ResponderEliminarAcho q adoção o maior amor do mundo, mt maior que a parentalidade biológica!
Em relação a esse miúdo adotado, devia estar muito bem tratado! Para ter uma empregada de hora a hora! Estava numa instuituição?