sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
[bullying no jardim de infância] histórias de dentro de casa
Ontem o meu pintainho saiu da escola a coxear com a vovó. Estava triste, magoado, não olhava nos olhos, respondia com monossílabos. A minha mãe tinha tentado fazê-lo falar ainda na escola, diante da auxiliar da sala, mas ele recusara-se a dizer o que tinha acontecido. Nunca ninguém o tinha visto assim... É um desespero saber que temos uma criança que não só não se defende como não consegue ir pedir ajuda nem contar o que se passou. Até que em casa lá conseguiu contar à vovó que tinha sido o seu amigo B. que lhe batera. Que quando se aproximara da auxiliar para pedir ajuda, o B. tinha começado a chorar e quem tinha acabado por ficar de castigo tinha sido ele. Vinha mesmo magoado. E pior, acabou por dizer que isto vinha a acontecer há muito tempo...
Quando cheguei a casa fiquei estarrecida... no meu trabalho sou confrontada diariamente com situações de bullying que tento ajudar a resolver de forma positiva. Por isso desde sempre tentei prevenir esta situação em casa. Em primeiro lugar, a última coisa que quereria era ter um bully em casa, por isso desde os quatro anos que praticamos "exercícios de empatia"... Não sei como se chama, mas pronto, eu chamo-lhe assim... Da primeira vez que me ocorreu falar sobre o assunto, perguntei-lhe se havia meninos que batessem em outros lá na escola. Respondeu-me que sim, mas que eram os "grandes". (Ele era dos "médios").
- E porque é que não se pode bater?
- Porque magoa, mãe.
Fiquei feliz com a resposta do meu pequenino. E desde então que sempre continuei. Em histórias lidas ao deitar e em situações hipotéticas: "Como achas que o menino tal se haveria de sentir se o outro lhe chamasse assim e assado? Como é que ele poderia responder?" Sempre o meu pintainho me passou com distinção nas provas e perguntas. Há tempos descobri o livro "Orelhas de Borboleta" da Luísa Aguilar, que achei mesmo útil, quer para despertar a empatia, quer para treinar respostas criativas e dar um exemplo de resiliência.
Mas eu vejo, felizmente, que não tenho um bully em casa. O meu baby não é impulsivo, não se zanga com facilidade, quando fica frustrado não tenta bater (nem a mim, que supostamente é a pessoa com quem mais está à vontade, nem atira coisas ao chão), quando brinca com os primos rapazes é barulhento e desobediente para com os adultos, mas nunca entram em lutas físicas nem se chamam nomes. E claro, também não vê nada em casa que possa replicar na escola, que não me venham dizer que os meninos batem do nada. Só batem quando são batidos! Por isso fiquei tão desconcertada quando percebi que o meu baby andava a ser vítima sem me dizer nada e ontem ainda tinha ficado com culpas, sem apelo nem agravo. Acabou ainda por me confessar que o B. o tinha ameaçado para não ir dizer nada à educadora!
De facto, nunca tinha batalhado no reverso da medalha. Na necessidade de pedir ajuda e de dizer sempre a um adulto, mesmo sob ameaça, se alguém lhe batesse ou o fizesse sentir mal ou desconfortável. E então contei-lhe a história verdadeira de um menino meu da consulta. Mr. Shaka, o meu marido, até me perguntava disfarçadamente se só seria uma história "daquelas que eu conto" mas é mesmo verdadeira, infelizmente:
- Sabes, filho, tive uma vez um menino a quem um professor fez mal.
- Bateu-lhe, mãe?
- Não, calcula tu, que quando estavam sozinhos, o professor lhe mexia na pilinha.
- Ah...
- Quem é que pode mexer na tua pilinha, tu sabes?
- Sim, só eu. E o pai e a mãe para lavar. - suspirei de alívio, ainda sabia, valesse-me Nossa Senhora. Também ando há anos a batalhar neste assunto.
- E então o professor dizia-lhe assim: "Se contares a alguém vais para o castigo". E o menino acreditou. Não contou a ninguém e andava muito triste, cheio de dores de cabeça. [Uma vez até foi à minha consulta e tentou dizer-me que o professor lhe fazia muitas perguntas e que isso é que lhe fazia dores de cabeça. Eu já vi muitas coisas e desconfiei logo, mas perguntei-lhe de todas as maneiras e feitios, até mandei a mãe sair da sala de consulta, mas o menino foi incapaz de revelar o que tinha acontecido. Só aconselhei a mãe a mudar de professor, o que a mãe fez, felizmente, porque a sua intuição já lho tinha dito para o fazer].
- E depois, mãe?
- Então houve um menino que sabia que tinha de dizer sempre a um adulto se alguém lhe fizesse mal e que disse à mãe que o professor lhe tinha mexido na pilinha. E então o professor foi preso e o meu menino, que já não era aluno dele foi chamado à polícia. Depois de saber que o professor estava preso ele contou ao polícia o que o professor lhe tinha feito. E depois, sabes o que é que ele fez?
- O quê, mãe?
- Quando chegou a casa, foi logo explicar ao irmão mais novo o que o polícia lhe tinha explicado a ele: "Sabes, mano, nunca deixes ninguém mexer na tua pilinha ou no teu rabinho. Só tu é que podes mexer. E se alguém te mexer ou magoar deves logo ir dizer ao pai ou à mãe ou a outro adulto, porque os adultos que gostam de nós acreditam em nós e eles é que nos podem proteger!" Percebeste, filho?
- Sim, mãe, eu então digo. Se alguém me fizer mal ou se o B. me voltar a bater eu digo-te.
Bem, hoje lá fui falar com a educadora e fiquei mais descansada que estarão atentas. Mas não vou baixar a guarda até o ver seguro. Raio dos miúdos, que nos deixam sempre com o coração nas mãos...
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Tenho tanto medo disso. Tanto medo que a minha filha passe por algo do género e não saiba defender-se ou pedir ajudar!
ResponderEliminarEspero que tudo de resolva desse lado.
O bullying é horrível e deixa marcas, sobretudo quando acontece durante a adolescência. Acho que nunca vou conseguir ultrapassar completamente o facto de ter sido vítima de bullying nessa fase da minha vida. É muito positivo que ensine o seu filho a contar o que se passa com ele aos adultos. Eu tentei esconder por algum tempo mas não por muito. Primeiro contei à minha mãe que, passado algum tempo, vendo que o assunto não se revolvia e que não tinha sido uma situação pontual, foi falar com a diretora de turma. E o pior foi que ela não soube minimamente lidar com a situação. O contar aos adultos é positivo mas muitas vezes não resolve tudo. Essa minha professora vitimou as minhas colegas bullies porque eu tentava defender-me respondendo-lhes aos insultos (sem nunca mas nunca os iniciar). Fui obrigada a pedir-lhes desculpa. Cada vez que penso nisso dá-me a volta ao estômago. Hoje jamais me rebaixaria a tal coisa, mas na altura tinha os meus 11 anos e o assunto "bullying" não era suficientemente falado para a minha mãe perceber que a ação da professora não era a melhor forma de lidar com o problema. A sociedade em geral e os professores em particular deviam estar mais bem preparados para lidar com estes problemas. A falta de preparação (e o favoritismo) dessa minha professora levou-a a agir mal para comigo e creio que isso ainda deve acontecer. Como tal, o que eu vim mesmo aqui dizer no fundo é que os adultos não estão muitas vezes preparados o suficiente para lidar com o bullying e que precisa de ter mesmo a certeza de que vão resolver a situação da melhor maneira. Esteja atenta ;) E obrigada por falar tão abertamente e de forma tão clara e correta sobre o bullying, faz falta! Beijinhos
ResponderEliminarO problema do bullying é precisamente essa tendência que as crianças têm para o esconder. E nem sempre é haver ameaças ou medo de represálias.
ResponderEliminarFui alvo de bullying no tempo em que ele não tinha nome. Foi durante o antigo ensino preparatório. Era a única boa aluna numa turma muito complicada, de colegas que, além de agredirem professores (sim, não é um problema só "de hoje em dia"), eram maus colegas e se agrediam fisica e verbalmente. Não é difícil concluir que me tornei o alvo preferencial. Não gosto de dizer que fui vítima, porque, felizmente, reagi sempre. Mas foram 2 anos horríveis, em que ir para a escola era sinónimo de estar sempre a olhar por cima do ombro e preparar-me para me defender.
No entanto, NUNCA contei aos meus pais o que se passava. E não foi por medo, foi porque me convenci que aquilo fazia parte da vida, que a escola dos crescidos agora era assim e que eu tinha era de me desenrascar e não preocupar os meus pais.
Habituei-me tanto àquela realidade que, no 1º dia de aulas do 7º ano, noutra escola e com novos colegas, achei que me tinha enganado, quando entrei numa sala com pessoas da minha idade, sentadas e caladas, à espera que o professor falasse. À medida que os dias foram passando, e que fui descobrindo que aqueles colegas eram como eu, e que lhes fui contando o que tinha passado, é que percebi que afinal nada daquilo antes tinha sido normal. E só aí contei aos meus pais que, obviamente, ficaram chocados por nunca se terem apercebido de nada.
Bem, isto tudo para dizer que sim, temos mesmo de estar muito atentos! As crianças aceitam o que é estranho com uma facilidade assustadora...