terça-feira, 29 de abril de 2014

[outras palavras] poema do homem com gripe


Poema do Homem com Gripe

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

António Lobo Antunes

Mr. Shaka, o pai do baby-de-mulata está doente. Há males que vêm por bem... O meu baby lindo, que sempre quis ser "jogado' de futebol" ou "p'ofessor de corridas" começou a brincar aos médicos na cama do pai e hoje dei com ele afadigado de roda de um papel e a colar um autocolante ao lado. Perguntei-lhe o que estava a fazer: "Estou a passar uma receita!"

2 comentários:

  1. :-D Eu admirador confesso do grande ALA já não me lembrava deste poema. Excelente!
    Obrigado pela recordação.

    P.S. E contra factos não há argumentos: ai estes homens :-D

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  2. Homem doente, Deus me livre, é do pior, e ainda teimam em apelidar-se de sexo forte!

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