sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

[vozes brancas*] anestesices...



Tenho uma colega de curso que é uma anestesista de mão cheia, de coração e convicção, que fala do seu trabalho com o entusiasmo com que uma mãe falaria de um filho... Isto é tão forte na vida dela, pessoal, profissional e familiar, que a filha de cinco anos no outro dia foi ouvida a cantar o "Gloria in excelsis Deo":

- Gloooooria, precisa de oxigénio!

Ah, grande princesa!
> Adenda: Lembrei-me agora que eu pensei durante anos e anos que a letra era "Gloooria, e nasceu singelo!" E perguntava: "Ó mãe, o que quer dizer singelo?" "Quer dizer pobre, simples." "Ah, pois", pensava eu, "confere..."
* Timbre da voz das crianças antes da puberdade.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

[vozes brancas*] sim, há esperança!



Há tempos, na consulta de Desenvolvimento, a terapeuta da fala que faz parte da minha equipa, uma mulher de armas, com uma experiência enciclopédica, veio ter comigo para me entregar o relatório da avaliação da linguagem de uma menina que me é particularmente querida (é ao facto de ela ter tido uma intercorrência grave que devo a circunstância de ter conhecido o baby-de-mulata, que na altura estava internado na mesma enfermaria!).

Esta princesa tem um défice cognitivo e uma síndrome genética com implicações graves no desenvolvimento. Por isso eu ansiava especialmente pelo relatório da terapeuta da fala. "Perturbação do desenvolvimento da linguagem de tipo misto muito grave", era a conclusão. Mas a terapeuta animou-me:

- Apesar das dificuldades dela, ela é uma menina com potencial. E é esperta, não concorda? O que é que acha dela?
- Sim, concordo, ela não tem um défice cognitivo por aí além. E consegue aprender.
- Exato! Aprende, compreende e até se explica. Não como nós queríamos, mas como pode. A família é que também não ajuda, que todos falam crioulo lá em casa entre si, e falam Português com a menina. Para além de que não há muita cultura de falar com as crianças, cantar-lhes ou contar histórias.
- Mas acha que ela tem potencial para recuperar se começar a fazer terapia da fala?
- Sim. Em primeiro lugar porque ela repete tudo o que nós dizemos, portanto logo ali tem um "instrumento de trabalho". E depois... olhe, quer um exemplo? Eu estava a pedir-lhe para nomear objetos em imagens, mas às tantas ela estava com muita dificuldade em dizer "meia". Nisto, a mãe salta lá da cadeira dela e começa a resmungar com a menina: "Então, filha, tu sabes o que é, diz lá "meia", "peúga". Mas eu mandei-a sentar-se novamente e não intervir. Já não podia cotar a resposta mesmo que ela respondesse, mas de qualquer modo, por curiosidade insisti. Mostrei-lhe uma meia verdadeira e perguntei-lhe: "Como se chama isto?" E ela nada. "Como se chama isto, linda, onde é que se põe?"
- E então?
- E então ela ficou um bom bocado parada a olhar para a meia, mas estava com "aquele olhar" de quem está a processar informação. Dali a pouco voltei a perguntar: "Como se chama isto?" E ela respondeu: "Chulé!".
- Lindo! Muito bom! - não consegui evitar uma gargalhada.
- Pois, foi o que eu achei! Ela tem potencial. Acho que com jeitinho ela vai lá!


* Timbre da voz das crianças antes da puberdade.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

[outras imagens] natal em família

 
Fiquei a babar-me com este presépio feliz que a Helena nos mostrou hoje.
Quando a ela me comprar um (pago o que for preciso, Helena, ouviste?) coloco esta "sagrada família dos sonhos bons" à porta do meu gabinete de consultas com o aviso: "Nesta casa não somos fundamentalistas, mas advogamos o colo a tempo inteiro, o aleitamento materno e o co-sleeping. Sabemos ser persuasivos. São bem-vindos os que quiserem entrar!"

sábado, 7 de dezembro de 2013

[vozes brancas*] false friends

Há tempos no centro comercial, o baby-de-mulata, habitualmente está sempre pronto a saltar para dentro de qualquer carrinho daqueles em que só é preciso pôr uma moeda para desatarem cantar e dançar, desafiando o direito à autodeterminação gravítica de qualquer criança, desta vez recusava-se a entrar no carro onde estava o Mickey Mouse. Um Mickey numa locomotiva de comboio (e o que ele adora comboios!), bem desenhado, muito bem disposto e simpático, que acenava aos meninos que passavam.

Pior, para meu espanto, encaminhava-se para o carro da Kitty, o meu ódio de estimação (onde-é-que-já-se-viu-uma-boneca-sem-boca-para-falar-valha-me-santo-antónio-do-sermão-aos-peixes) que, mesmo ao lado, tresandava a cor-de-rosinha, enfeitado por florzinhas pirosas. Não o estava a reconhecer. O meu baby-de-mulata, que literalmente me rosnava de cada vez que eu tentava cultivar o seu lado mais sensível. O meu filho que me ignorava olimpicamente sempre que lhe mostrava um bebé careca para ele embalar ou uma flor para, subtilmente, lhe ensinar que oferecer flores à senhora sua mãe é meio caminho andado para obter todos os seus desejos, agora de repente virava-se para a piroseira da Kitty? Não se deve cuspir para o ar, realmente.

 Até que lhe perguntei por que razão não ia para o comboio ao Mickey, ao que ele respondeu: "Porque não, mamã!" E passado algum tempo perguntou-me: "Aquele é o Mickey Mau? Porque é que o Mickey é Mau, mamã?" (Graças a Deus! Depois de devidamente esclarecido o equívoco e, sem qualquer forma de pressão adicional, qual filho pródigo deixou a Kitty e dirigiu-se para o comboio do Mickey com a felicidade estampada no rosto! Obrigada, filho, por confortares a mãe!)