segunda-feira, 18 de março de 2013

[exercícios africanos] inculturação moçambicana

 
Padrão de uma capulana

Decidi, desde o primeiro dia do baby-de-mulata nesta casa, manter um programa diário de exercícios africanos. A noite não é exceção. Tenho sempre uma capulana para o tapar e servir de resguardo na cama de grades, que serve também para qualquer eventualidade: usamo-la como pano de tourear nas noites de insónia e agitação, para limpar lágrimas e babas nas raras noites de birra, enxugar salpicos de água ou leite, para cobrir os bonecos nas brincadeiras de esconde-esconde. Em  último caso, em algumas noites de festa brava, a cama transforma-se na casota de um cão de guarda feroz e a capulana faz de teto dessa casa quentinha e acolhedora, que acaba, enfim, por chamar um sono tranquilo...

Qualquer menino moçambicano que se preze sabe que pode usar a seu bel-prazer todas as capulanas de sua mãe. Por fim, depois de todas as loucuras e touradas, despeço-me com o último momento de inculturação do dia: "Boa noite! Não deixes que os mosquitos te piquem!"

quarta-feira, 6 de março de 2013

[sobreviver à primeira infância] acidentes e segurança



Disclaimer: Meus amigos, vocês sabem que eu não gosto de falar de coisas sérias aqui no mato, por isso, este post também não será uma lição de sapiência sobre puericultura. Eu só faço serviço público muito de vez em quando e sempre por motivos de força maior, como naquela vez em que a querida Sónia Morais Santos confessou o seu receio de ir a casas de banho em bombas de gasolina... Por isso, se buscam literatura sobre acidentes e segurança na primeira infância, podem seguir viagem agora mesmo.

Há tempos, na consulta dos 12 meses de uma menina bem-disposta, palradora e com um desenvolvimento acima da média, falávamos da introdução dos sólidos na alimentação, abordei os receios dos pais, falei dos riscos de engasgamento e estivemos a rever as manobras básicas de reanimação em caso de obstrução da via aérea. Falei sobre os cuidados a ter e como evitar os acidentes, encorajei-os nesta nova etapa:

- Ela ainda não tem mais do que dois dentes incisivos, mas já tem capacidade para mastigar coisas moles, por isso não tenham receio...
- Sim, doutora - respondeu o pai -, isso é verdade, e coisas duras também! No outro dia fui dar com ela a mastigar uma casca de noz há horas...

A mãe olhou-o (e se o olhar matasse, tinha mais uma certidão de óbito para passar ali mesmo, para além das receitas - de culinária e das outras):
- Uma casca de noz?! Como assim uma casca de noz?
- Ó querida, abri-lhe a boca para ver o que é que ela tinha lá posto e descobri uma casca de noz, que ela devia ter encontrado debaixo de alguma coisa...
- Já reparaste que estas coisas só te acontecem a ti? E porque é que não me disseste nada?

Resolvi pôr água na fervura:
- Pois, todo o cuidado é pouco, mas tiro-lhe o chapéu! Como é que deu conta que a sua filha, a gatinhar no chão e entretida com os brinquedos, tinha alguma coisa na boca? É preciso muita perspicácia!
- Não doutora, é que a miúda sai à mãe, é uma tagarela de primeira, não se cala um segundo. Eu estava a ler o jornal e de repente reparei que ela estava calada há muito tempo. E vai daí soou "aquele alarme"..

Olhei-o, incrédula: ele não estava a dizer aquilo, não podia ser! Mas ainda continuou:
- Se fosse a mãe era porque estava amuada de certeza... A menina não devia estar amuada comigo, mas estranhei na mesma. Fui averiguar o que se passava e encontrei-lhe a casca de noz dentro da boca.
- Bem, isso é verdade, é mesmo desde o berço. Quando uma mulher está muito tempo calada, há sempre alguma coisa de errado.* Bem, neste caso tudo correu bem, mas é melhor pedirem à empregada para limpar o chão e debaixo dos móveis todos os dias - e apressei-me a mudar de assunto, antes que o casamento acabasse ali mesmo.

*Aprendam, senhores!